“Infelizmente… a gente espera que isso não aconteça com a gente”, diz a mãe do inconsolável entregador chicoteado por uma vagabunda escravocrata numa rua do Rio de Janeiro.
Infelizmente, o brasileiro preto espera sim.
Em um país onde um juiz justifica o trabalho análogo à escravidão, espera sim.
Em um país onde a pele escura é o alvo da bala perdida da polícia, espera sim.
Em um país onde uma deputada corre na rua com uma arma em punho atrás de um desafeto preto e ainda assim é reeleita, espera sim.
Em um país onde um músico é fuzilado pelo exército numa via pública, com 80 tiros, sem dever nada, espera sim.
Em um país onde quilombolas são pesados em arrobas e o insano (então presidente da República) que diz isso é ovacionado na Hebraica do Rio de Janeiro, espera sim.
Em um país onde uma madame descarta para morte, num elevador, a criança de 5 anos filho de sua criada enquanto sua criada salvava o dia de seu cão, espera sim.
Em um país onde uma mulher preta é obrigada fazer compras de calcinha e sutiã para provar que não é uma ladra, espera sim.
Em um país onde uma mãe preta, moradora da Rocinha, diz a seu filho preto que nunca esperava que uma coisa dessas, ser chicoteado na rua por uma vagabunda escravocrata, acontecesse a eles, é um país onde se espera sim que isso possa acontecer.
A vagabunda escravocrata dormiu essa noite – livre, leve e solta – na casa-grande. Já os pretos passaram a noite esperando que qualquer coisa lhes possa acontecer, inclusive serem chicoteados com a coleira de um animal em praça pública por uma vagabunda escravocrata.
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Dilson Cunha é arquiteto, historiador e artista plástico.
