[ENTREVISTA] JANETE PIETÁ – “TALVEZ O MAIOR DESAFIO PARA UMA MULHER NA POLÍTICA SEJA SER RESPEITADA COMO LIDERANÇA”

Quais foram os maiores desafios no seu percurso na política?

Na política, a mulher sofre muito preconceito. Estamos num meio predominantemente de homens brancos, na maioria machistas. Tem apenas 91 anos que a mulher ganhou o direito ao voto. Mas que mulher era aquela? Branca, casada, estudada e “de posses”. Quanto tempo para elegermos mulheres para o legislativo ou executivo? Ainda hoje somos minoria. Vejam bem, a primeira senadora eleita no Brasil foi Eunice Michiles, em 1979. Mulher e preta, então…Eu, uma mulher preta, não sou acolhida ou sou considerada “ousada demais”, porque ouso mesmo questionar (risadas). Talvez o maior desafio para uma mulher na política seja ser respeitada como liderança. Fui sindicalista metalúrgica e nunca tive voz, por exemplo, nas decisões de diretoria ou mesmo para ocupar um assento na cadeia de decisão. Enfim, o preconceito vem de várias formas e de vários lugares, inclusive da própria esquerda, mas não deixo de encaminhar os projetos que considero fundamentais ou argumentar sobre os que tenho alguma dúvida de sua importância. Tenho 76 anos, mas com uma enorme vitalidade para a luta, principalmente pelos direitos das mulheres.

Qual a composição da Câmara de Vereadores de Guarulhos?

Somos 34 vereadores e apenas 7 mulheres, das quais três são conservadoras. Sou atualmente presidente da Comissão dos Direitos Humanos, Cidadania, Habitação, Assistência Social e Igualdade Social. Mas não são todas as comissões que nós, vereadoras, podemos presidir ou até mesmo participar. Ha muitas comissões que já têm acordos entre o Legislativo e Executivo e aí, mulheres não entram. Mas estamos atentas para as demandas fundamentais, mesmo que Câmaras não possam aprovar nada que tenha gastos. Ou seja, há que haver ações em parceria entre executivo e legislativo para as politicas públicas. No caso de Guarulhos, por exemplo, não conseguimos aprovar ações contínuas na área de saúde pública da mulher, aprovamos apenas o Outubro Rosa.

Quais suas principais plataformas durante seu mandado?

Trabalhamos para garantir os direitos da mulheres, assegurando o cuidar da casa, da criança com seu trabalho. A abertura de creches nas empresas (e aí, nas que tenha maioria homens, por exemplo) e de lavanderias comunitárias. Além disso, me sinto uma “vereadora federal”, quero trazer os benefícios do Bolsa Família e do Minha Casa para a cidade. Ou seja, cultivar a parceria cidade-Estado

Como a Senhora avalia a situação da mulher nos dias de hoje?

Passamos por anos muito difíceis, um retrocesso nas políticas públicas pelos direitos cidadãos, principalmente no tocante à mulher. O ex-presidente, um misógino, tem como maior marca de seu mandato o estímulo à violência. Em todas as estatísticas, constatamos que a violência contra a mulher cresceu assustadoramente.  Mas a posse do Lula nos dá esperanças, ainda mais com a criação dos Ministérios da Mulher, dos Povos Originários e da Igualdade Racial. Acredito na educação. É necessário mudar esse determinismo educacional das mulheres de dizerem “amém” e que “isso é o que Deus quer”. Há que pensar também como os homens estão sendo educados. Sair deste círculo vicioso do machismo estrutural e colocá-lo com coparticipe da estrutura familiar, de igualdade com as mulheres. Porque não tem creches, por exemplo, nos espaços de trabalho onde estão os homens? Enfim, é preciso empoderar a mulher como um sujeito livre para viver todas as suas possibilidades.

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Janete Pietá

Vereadora pelo PT na cidade de Guarulhos (SP), essa carioca que participou da passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro, levou sua militância para São Paulo, onde foi eleita  a primeira deputada federal negra de São Paulo (PT – 2007-2015). Hoje, Janete está no seu segundo mandado de vereadora em Guarulhos e nos conta os desafios 7h30enfrentados por uma mulher na política. “Nasci no Estácio, berço do samba. Fui educada para pensar, para questionar”.

Janete Pietá na Marcha das Margaridas

[ ENTREVISTA ] – FLÁVIA RIBEIRO – A LUTA POR UMA SOCIEDADE MAIS JUSTA E IGUALITÁRIA NÃO É SOLO, É COLETIVA

Na presidência da OAB Mulher do Rio de Janeiro há um ano, Flávia Ribeiro,  advogada preta, mãe de duas meninas, tem sua trajetória ligada à luta para garantir os direitos das pessoas a quem a cidadania ainda não chegou. Participou da Comissão da Verdade da Escravidão Negra, que teve importante papel no resgate histórico do período  e na proposição de políticas de afirmação e reparação para a população negra. Vinda de uma família politizada, não falta a ela consciência de classe, de gênero, de raça,  e tampouco disposição para a luta. No horizonte de Flávia está a vida plena e digna para todas as mulheres, independente da cor da pele. O empoderamento feminino é a chave para alcançá-lo.

Você preside a OAB Mulher do Rio há um ano e é a segunda advogada preta a ocupar esse cargo. Como foi o seu percurso dentro da ordem e qual é a importância do lugar que você ocupa para a representatividade feminina e negra?

Iniciei na militância da Ordem em 2016, como membra da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil. Com a minha atuação e trabalho na comissão, me tornei vice presidente. Em 2018, a presidente da Comissão OAB Mulher, a época a dra. Marisa Gáudio me convidou para participar da comissão como membra, passei pelos cargos de secretária geral, vice presidente, até chegar à presidência no ano de 2022.

Como foi a sua formação e que lutas você abraçou durante esse período?

 Iniciei a minha formação em direito no ano de 2005, aqui no Rio de Janeiro. Sempre tive consciência de gênero, raça e classe, pois venho de uma família politizada, que sempre esteve envolvida nos movimentos sociais. Na faculdade, fiz estágio na Prefeitura do Rio de Janeiro, no projeto Direitos, que dava orientação jurídica à população vulnerável: às travestis e transexuais do projeto Damas e aos egressos do sistema prisional do projeto Agentes da Liberdade. E a partir daí comecei minha militância, ajudando as pessoas.

Como foram os trabalhos e qual foi o resultado da Comissão da Verdade da Escravidão Negra? Que caminhos foram apontados para superar a realidade de exclusão enfrentada pelos pretos e pretas até hoje?

Na Comissão da Verdade realizamos muitos trabalhos, um – de maior relevância – foi o que deu origem ao censo de raça, que hoje está sendo implementado na OAB Seccional do RJ. Através desta Comissão da Verdade enviamos ofícios para todas as seccionais do país e subseções do Estado do RJ, para que elas também realizassem o censo de raça em suas sedes. Além disso,  a comissão abriu portas para advogados e advogadas negras iniciarem sua militância de ordem e de movimentos sociais, participando das ações da OAB.

No final do mês, o golpe civil-militar de 1964 completará 59 anos. Acabamos de sair de um desgoverno, no qual as FFAA tiveram participação massiva e o discurso golpista fez parte do cotidiano. O que faltou para construirmos uma cultura do “Nunca Mais”?

A construção de uma cultura do “Nunca Mais” depende de vários fatores e é um processo que envolve a conscientização, a educação e o compromisso de toda a sociedade em não permitir que os abusos e violações de direitos humanos ocorridos no passado se repitam.

Acredito que impunidade, desinformação, negação da história e indiferença, contribuíram muito para os mandos e desmandos do desgoverno passado.

Para criarmos uma cultura do “Nunca Mais” é preciso promover a educação em direitos humanos, de forma a conscientizar a população sobre a importância da defesa desses direitos e das garantias fundamentais. Além disso, é necessário responsabilizar os agentes envolvidos nas violações e fazer a reparação das vítimas e de seus familiares, reconhecer a história e a memória das violações, através de iniciativas que visem à preservação da memória coletiva e da verdade histórica e estimular a participação e o engajamento da sociedade civil na defesa dos direitos humanos e na luta contra a impunidade.

A construção de uma cultura do “Nunca Mais” é um processo longo e complexo, que exige o compromisso de toda a sociedade em defender os valores democráticos e as garantias fundamentais.

Quais são suas principais demandas na gestão da OAB mulher? Faça um balanço desse ano de gestão.

Entre as principais demandas da Comissão OAB Mulher, podemos destacar: o combate ao assédio e à violência contra a mulher; a igualdade de gênero na advocacia; o combate à discriminação e o preconceito que as mulheres ainda enfrentam no mercado de trabalho; a defesa e garantia de direitos e benefícios para as advogadas que são mães; a participação política das mulheres, na tomada de decisões, buscando aumentar a representatividade feminina em cargos públicos e nos poderes legislativo, executivo e judiciário, e na própria OAB e a educação em gênero, por meio de campanhas e eventos. Desde que tomei posse como presidente da OAB Mulher, no dia 8.3.2022, consegui – junto com minhas companheiras de comissão – a implementação da ouvidoria da mulher na seccional; o lançamento da campanha para a criação de uma Secretaria da Mulher em âmbito estadual; o atendimento à diversas mulheres em situação de violência;  informar a população sobre direito das mulheres em diversos veículos de informação e eventos;  a continuidade do clube do livro e o lançamento da campanha da Advocacia Sem Assédio, que foi levada a diversas subseções do estado.

 Quando foi fundado o Clube de Leitura OAB e qual é a sua dinâmica? Que livro você indicaria para as mulheres lerem?

O nosso Clube do Livro continua ativo, ele é coordenado pela pedagoga Evelyn Alves, e teve seu início na gestão da Presidente Rebeca Servaes e na minha vice-presidência, em 2020.

A dinâmica do clube é a leitura em grupo de um livro e a troca de vivências e experiências a respeito das leituras. Uma indicação de livro para as mulheres é o que estamos trabalhando no momento “Tudo sobre o amor – novas perspectivas” de bell hooks, que aborda a questão do amor nas relações pessoais e sociais, abrangendo temas como amor romântico, amor-próprio, amor e liberdade, amor e espiritualidade, amor e solidão, entre outros.

Você é uma mulher preta retinta,  mãe de duas meninas, que integra a maternidade ao mundo profissional, dentro de um ambiente muito machista. Como é viver assim, como  Chiquinha Gonzaga: “oh abre alas, que eu quero passar”?

 Ser uma mulher preta retinta e mãe de duas meninas em um ambiente profissional machista pode ser desafiador e exaustivo emocionalmente. Essa realidade implica ter que lidar com diversas formas de discriminação e preconceito, como o racismo, o sexismo e a misoginia.

Por alguns momentos já me senti invisibilizada e subestimada. Além disso, é muito difícil conciliar a maternidade com a carreira, devido à falta de políticas públicas que garantam direitos e benefícios para nós, mães.

No entanto, tento encontrar formas de resistência e enfrentamento dessas opressões, buscando apoio em outras mulheres e em movimentos feministas e antirracistas. Também tento reivindicar meus direitos e denunciar casos de discriminação e assédio, buscando sempre ações efetivas de proteção e reparação para todas.

É importante lembrar que essa luta não é uma luta solo e que a luta por uma sociedade mais justa e igualitária é coletiva. O empoderamento feminino e a luta contra todas as formas de opressão são fundamentais para garantir que todas as mulheres, independentemente de sua cor de pele, tenham direito a uma vida digna e plena.

[ENTREVISTA] Amelinha. Sobrenome: Luta Feminista.

“A liberdade é uma coisa linda. Temos que aprender a linguagem da liberdade”

Militante política, ativista, advogada, escritora, jornalista, apartidária. Mãe, esposa, amiga. Amelinha Teles é uma mulher plural. Na sua voz não se escuta raiva, revanchismo, apenas Luta.

Sua história é extensa e intensa. Nos anos 70 organizou a União das Mulheres em SP. Era do quadro do PCdoB, trabalhando como jornalista em vários jornais clandestinos. Trabalhou no primeiro jornal feminista,  em 1975. “Era escrita do PCdoB. Ouvia rádios como a Cubana e a BBC e fazia reportes. Hoje todos conversam, falam, têm acesso a todas as informações”

Educadora popular dos direitos feministas – formou-se em direito para “conhecer os processos para poder lutar pelo empoderamento das mulheres. É preciso entender por que nós, mulheres, somos excluídas da cidadania, por que temos menos valor.”

Os casos de assédio moral/sexual nas relações trabalhistas, de feminicídio e todas as violências contra mulher vêm aumentando ano após ano. Para Amelinha, é preciso construir um mundo sem violência, a partir da consciência e das mobilizações.

Militância feminina e atuação durante a ditadura

“Me tornei feminista sozinha, muito jovem. Fui para a rua ver a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em Belo Horizonte. Magalhães Pinto governador de Minas Gerais e Jorge Carone Filho, Prefeito de BH vinham à frente seguidos de uma maioria de mulheres brancas ‘da sociedade’. No fundo, vinha o povo pobre, maioria mulheres pretas. O povo sendo conduzido por uma elite como massa de manobra. O índice de analfabetismo na época era enorme, principalmente entre as mulheres. Resolvi, então, ensinar as pessoas pelo método Paulo Freire. Com 18 anos, todos acreditamos que vamos mudar o mundo. Logo depois veio o golpe e entrei na clandestinidade”

Foi presa política entre 1972-73, e Carlos Alberto Brilhante Ustra foi o responsável por suas torturas, o mesmo que Bolsonaro chamou de “o pavor de Dilma Rousseff, ao declarar seu voto a favor do impeachment, num ato cruel e covarde. Naquele momento, ninguém no Congresso fez nada, não protestaram, não impediram a sessão de continuar”.

Neste período, perdeu a guarda dos filhos. Eles foram sequestrados e entregues a um delegado em BH. “Sofreram muito, eram muito pequenos, 5 e 4 anos. Eu só podia inventar contos, histórias, imaginando que estava contando para meus filhos. Estou tentando recuperar na memória e publicar essas histórias”.

“Fui torturada na frente dos meus filhos, do meu marido, que também estava preso. Houve a tortura psicológica, tão ou mais bárbara que a física, quando diziam que eu tinha que ter escolhido: ou ser mãe ou militante política, uma terrorista. Na verdade, me diziam que eu era uma mãe desnaturada e responsável pelo sofrimento dos meus filhos. Com ajuda da minha advogada, consegui recuperar a guarda das crianças”.

Ainda na prisão, Amelinha testemunhou o assassinato de Carlos Nicolau Danielli (dirigente do PCdoB), espancado até a morte sob o comando de Brilhante Ustra, em dezembro de 1972. “Eu tinha caído (presa) algum tempo antes. No dia 28 de dezembro, Danielli chegou no DOI-Codi e foi brutalmente torturado. Podia ouvir seus gritos. Dois dias depois ele estava morto”.

A versão oficial da época era que Danielli teria morrido em decorrência de troca de tiros com a polícia. Após 40 anos, Amelinha Teles e seu marido César Augusto Teles testemunharam junto à Comissão da Verdade, a sua morte por tortura nas dependências do DOI-Codi/SP.

“A tortura dói profundamente. É uma ferida que nunca cicatriza e que vai além de seu próprio corpo. Ela atinge todos os corpos, da família até o conjunto da sociedade. Nossos filhos, gerações e gerações são afetados. Por isso é considerado crime de lesa humanidade”.

Em 1975, começa o movimento pró-Anistia no Brasil. Mas a Lei da Anistia só foi aprovada em 28 de agosto de 1979, a lei nº 6.683, que concedeu  anistia a todos que cometeram crimes políticos ou eleitorais e àqueles que sofreram restrições em seus direitos políticos em virtude dos Atos Institucionais (AI) e Complementares, entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Entretanto, a Lei excluiu todos aqueles que foram condenados por crime de terrorismo, atentado pessoal ou sequestro.  “Reivindicamos anistia ampla, geral e irrestrita para todos os que tinham sido presos, inclusive os que tinham participado da luta armada ou sido enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Neste primeiro momento, fui anistiada, junto com outras oito mulheres, por ser da “imprensa”, mas minha irmã Criméia Alice Schmidt de Almeida, que havia participado da guerrilha no Araguaia, só conseguiu a anistia anos depois. Ou seja, nunca se reivindicou anistiar torturadores, mas a lei perdoou os crimes realizados por membros das forças armadas durante o regime militar”.

Até hoje, e em função dos crimes cometidos durante o Governo Bolsonaro, o debate sobre Anistia voltou a ganhar a imprensa e as mídias sociais. O debate gira em torno de que o país precisa passar a limpo suas dores e suas tragédias, responsabilizando pela Lei todos aqueles que cometeram crimes como tortura, assassinato, ocultamento de corpos e genocídio.

Direito à memória – a luta contra o esquecimento

Com a Comissão Nacional da Verdade (criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012), os crimes de violações aos direitos humanos praticados por “agentes públicos, pessoas a seu serviço, com apoio ou no interesse do Estado brasileiro”, começaram a ser investigados.

Amelinha Teles faz parte da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos pela Ditadura Militar. Durante o Governo de Bolsonaro, “um defensor de torturador”, a Comissão foi desativada. “Teremos uma audiência com o atual Ministro dos Direitos Humanos, Dr. Silvio Almeida, para reiniciar os trabalhos na Comissão, reiterando o nosso trabalho inicial, lembrando que o Estado Brasileiro já foi condenado pelos fatos ocorridos na ditadura militar, mas ainda não respondeu legalmente a todos crimes”.

“Existem oficialmente 436 pessoas desaparecidas, mas deve ter muito mais. Em Perus ainda deve ter gente, assim como no Araguaia. Sabemos de mais de 8 mil indígenas desaparecidos”.

Em 1990, no Cemitério Dom Bosco, no bairro periférico de São Paulo, foi descoberta uma vala clandestina com 1049 ossadas. Entre elas estavam os restos mortais de Carlos Danielli e Alexandre Vannuchi. O caso, de grande repercussão foi acompanhado por repórteres nacionais e estrangeiros. Conhecido como “cemitério da ditadura” foram enterrados ali, como indigentes, muitas pessoas assassinadas pela polícia e por paramilitares, cujas rondas noturnas foram batizadas de “esquadrão da morte”.

Pessoalmente, a família Teles conseguiu justiça, não só para eles, mas para vários companheiros e companheiras. Ustra, que tem cerca de 50 mortes e centenas de torturados nas suas costas, foi considerado oficialmente torturador pelo Estado Brasileiro, em três instâncias. Em março de 2013, Amelinha prestou depoimento à Comissão Nacional da Verdade, afirmando ter sido vítima de variadas torturas, que envolveram choques elétricos e violências sexuais. Em dezembro de 2014, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou Ustra responsável pelas torturas sofridas por ela, seu marido, seus dois filhos e sua irmã Criméia Alice Schmidt de Almeida, dentro do DOI-Codi.

“Ele recorreu em 2008, quando perdeu a primeira vez. Perdeu de novo em 2012. Em 2014, no STJ, perdeu pela terceira vez. Acho que só não recorreu ao STF porque morreu em 2015. Morreu um torturador”.

Não estou mais sozinha numa cela

Amelinha protagonizou uma cena, no tempo em que estava presa, que foi relembrada por Amaury Monteiro Júnior, num texto comemorativo ao Dia Internacional da Mulher neste site. Essa história o marcou. Foi uma ação possível, mas que fez diferença no mês de março, em tempos de cárcere.

“Fiquei feliz e totalmente surpresa que o Amaury tenha lembrado da história do Dia Internacional da Mulher, quando estávamos presos. História que aconteceu há 50 anos. Amaury estava na cela com meu marido César Augusto Teles (1944-2015). Estava isolada numa cela. Na época, ninguém sabia muito que em março se comemorava O Dia Internacional da Mulher. Nem a esquerda. Sozinha, a gente tinha que inventar alguma coisa para causar. Por exemplo, eu falava sozinha e meu carcereiro me perguntou se eu estava ficando maluca. Eu estava incomunicável, mas eles não podiam me deixar incomunicável comigo mesma. Escrevi no papel – Viva o Dia Internacional da Mulher – e o papel foi passando de cela em cela. Também gritei bem alto e muitos responderam: Vivaaa!!!”

Naquela época, nem a esquerda sabia que esse dia existia e, sejamos francos, nem davam importância para a luta das mulheres ou pela importância do papel das mulheres na luta contra o fascismo.  E acho que por ter dito Dia Internacional, o delegado me ameaçou abrir processo por crime contra Segurança Nacional, o qual já respondia por outros motivos. Não deu em nada, claro.”

Mas hoje “não estou mais sozinha dentro de uma cela”. Hoje milhões estão comigo. A luta vale a pena”.

Lançamento de novo livro

Amelinha desenvolve um trabalho de militância feminista histórica. É diretora da União de Mulheres de São Paulo, coordenadora do Projeto Promotoras Legais Populares, integra o Conselho Consultivo do Centro Dandara e é autora de diversos livros sobre o tema, como “Breve História do Feminismo no Brasil”, “O que é Violência contra a Mulher?” e “O que são direitos humanos das mulheres?”.

Em 15 de abril, mais um livro será lançado: “Feminismos: ações e histórias de mulheres”, pela Editora Alameda  com pré-venda disponível no site.

“Fui estudar direito para entender as Leis e saber usá-las a favor dos pobres e mulheres. Este livro pretende falar de lutas feministas para os jovens, os conceitos e a história internacional dos movimentos. E claro, a luta aqui no Brasil. Apresento os direitos femininos que estão na Constituição de 1988. Os dados no Brasil são alarmantes, por exemplo, cerca de 20 mil meninas de até 14 anos se tornam mães, por ano. Muitas engravidam por estupro, o que daria a elas o direito ao aborto. Na prática, essas meninas não sabem que têm esse direito garantido ou o Estado não fornece as condições necessárias”.

No livro, também estão contadas 15 histórias de mulheres como Chiquinha Gonzaga, Benedita da Silva, Nísia Floresta, Dilma Rousseff entre outras.

“Neste livro, Amelinha imprime a sua assinatura de compromisso de vida pela formação e conscientização de mulheres, meninas e de toda sociedade em relação ao reconhecimento das violências e à disponibilidade de ferramentas para enfrentá-las. Trata-se de uma importantíssima obra, porque também pode ser entendida como um documento histórico por trazer o resultado das lutas das mulheres, algo que as gerações mais novas precisam saber até para que possam utilizar essas ferramentas de transformação nos dias atuais” Djamila Ribeiro

“Nós, mulheres sempre estivemos na luta. Historicamente, o patriarcado deu vazão a várias formas de preconceito como o racismo, machismo e o sexismo. A sociedade ocidental foi formada por homens brancos, proprietários, ricos. O capitalismo precisa dessa formação para sobreviver. A luta das mulheres é imensa, assim como dos pretos e LGBTQI+, ou todos os diferentes dos homens brancos ricos. Com Bolsonaro, houve um retrocesso enorme, a começar com a escolha da Ministra Damares, das meninas vestidas de rosa. Como esquecer frases ou palavras do ex-presidente – Não te estupro, porque você é feia; quantas arrobas valem os negros; Imbrochável. Ou seja, o discurso machista somado à liberação das armas gerou uma violência enorme, principalmente nos casos de feminicídios”.

A luta é diária: empoderar é educar e informar

Para Amelinha, a solução para a diminuir a violência contras as mulheres passa por empoderá-las através da educação e de informações sobre seus direitos. “Essa é a nossa bandeira. Só com educação e informação sobre seus direitos, as mulheres terão condições de se defenderem. Prevenção mais do que punição. Afinal, a impunidade é clara, já que Leis são feitas e julgadas por homens brancos”.

São inúmeras as ações em que Amelinha atuou e ainda muitas outras para acontecer. A luta é todo dia. Só para citar duas, 80% das reivindicações das mulheres para ampliar direitos civis, econômicos e sociais que constam na Constituição 88 foi conquistada graças a atuação de Amelinha. Desde 1994, do projeto Promotoras Legais Populares (PLPs) que dá formação legal para mulheres e as ensina a valorizar o direito, ampliá-lo e aprender o caminho de acesso à justiça. “Saí da cadeia sem eira e nem beira e muitos me ajudaram. Eu sobrevivi graças a solidariedade do povo. Muitos nem sei quem são. O povo brasileiro existe, resiste por sua solidariedade”.

[ENTREVISTA] Vereadora Débora Camilo fala sobre os desafios de defender as mulheres

No mês que se comemora o Dia Internacional da Mulher, o site do Geração 68 preparou uma série de entrevistas com mulheres líderes na política, na sociedade civil e em movimentos feministas.

Para começar, a vereadora da cidade de Santos, Débora Camilo (PSOL), é advogada e primeira vereadora em Santos eleita pelo PSOL. Preside a Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Pessoas com Deficiência, na Câmara da Cidade.

[G68] Mulher na política: quais os desafios?

A violência política de gênero ainda é persistente no nosso sistema político. As mulheres não são bem-vindas nas esferas de poder e decisão, principalmente quando contrariam os velhos costumes e interesses do patriarcado capitalista. Além disso, as políticas públicas para mulheres ainda são insipientes, justamente pela falta de representatividade de gênero, raça e classe em espaços de poder. As mulheres que vencem as barreiras impostas às lideranças feministas têm que enfrentar uma verdadeira guerra para efetivar políticas que atendam às necessidades das mulheres como cidadãs.

[G68] Mulheres no Brasil: quais ações seriam fundamentais para uma política voltada para os direitos das mulheres?

Mais mulheres na politica, para começar. Mulheres que representem os interesses das mulheres, na nossa sociedade. A luta feminista tem cada vez mais protagonismo e precisamos que esse movimento cresça e que mais mulheres entendam que fazer política é parte do nosso dia a dia, e isso não envolve só a política institucional, mas todo o movimento feminista, que vai desde a luta pela igualdade salarial até a luta pelo aborto legal e seguro e das demandas diárias das mulheres trabalhadoras.

As mulheres são capazes de atuar na política pensando outra sociedade, mais justa e igualitária, não só para as mulheres, mas para todo o mundo que sofre com a opressão e a exploração.

[G68] Cultura do machismo nos últimos anos: quais as consequências e como combater?


Infelizmente, os dados mostram que a cultura do machismo continua a fazer vítimas fatais no nosso país e em todo o mundo. A violência crescente contra as mulheres só mostra que, sem combater as raízes das desigualdades de gênero e classe, podemos retroceder a qualquer momento em conquistas histórias da luta das mulheres.

O primeiro passo é reconhecer que o machismo é um problema estrutural da nossa sociedade e não é caso de algumas maçãs pobres ou situações isoladas. A desigualdade de oportunidades aprofunda o machismo, na medida que gera mecanismos sociais que impedem que as mulheres saiam de situações de vulnerabilidade.

Combater o machismo é uma luta diária, que precisa ser feita com educação, informação e oportunidades para que as mulheres possam exercer sua cidadania com segurança.

Politicas publicas que deem autonomia para as mulheres, que ainda são as maiores responsáveis familiares do nosso país, também são essenciais para a prática da liberdade que ainda nos é negada, tamanha a responsabilidade social que acaba exclusivamente nas costas das mulheres. E mais do que qualquer coisa, a do movimento feminista tem sido a linha de frente no combate ao machismo. O feminismo salva vidas.