MEMÓRIAS DA PRISÃO APÓS O GOLPE NO CHILE – ÊNIO BUCCHIONI

Memórias da prisão após o golpe no Chile
Publicado originalmente em: 13/09/2016 11h04

Operários presos no Estádio Nacional do Chile.


Trechos do texto escrito por Enio Bucchioni em 13 de setembro de 2016


Saí do quarto da pensão onde eu morava escoltado por vários militares do exército chileno. Poucos minutos antes ouvi alguns tiros no quintal da casa, para onde Augusto, jovem burocrata da ala direita do PS chileno que ocupava um quarto vizinho ao meu, interventor numa fábrica sob jurisdição do governo Allende, havia sido levado. Pensei que o haviam fuzilado ali mesmo e eu seria o próximo.


Era o dia 13 de setembro de 1973, cerca de 7h da manhã. Nessa madrugada, houve um grande tiroteio no bairro e pela manhã os militares entraram em todas as casas em busca dos, possivelmente, franco-atiradores. O toque de recolher decretado por Pinochet, proibição de todo cidadão de sair de casa, vigorava desde o dia 11, começo do golpe, até 12h do dia 13. Até hoje não sei se atiraram no Augusto com balas de festim ou se atiraram para o alto.


Ao sair para a rua, um militar me mandou correr. Não o fiz. Desde o Brasil sabia que correr significava levar um tiro nas costas durante a pretensa ‘fuga’, tantas vezes isso ocorreu por aqui. O soldado foi me empurrando para dentro de um ônibus e ficamos, Augusto e eu, deitados no chão do veículo. No entanto, esse milico, por mero prazer pessoal, passou levemente a ponta da sua baioneta sobre minha perna direita, abrindo um pequeno corte superficial de uns dois centímetros.


O dia 11 de setembro de 1973.


Eu vivia com uma companheira diretora da UNE chilena, militante do MAPU, Movimiento de Acción Popular Unitária, uma pequena organização socialista com 10 mil militantes, mesmo número que o MIR. Lembremo-nos que o PC tinha 200 mil filiados e, ou militantes, o PS, partido muito mais à esquerda que o PC, 400 mil. Tudo isso num país 20 vezes menor em população que o Brasil de 2016.


Acordamos a tempo de escutar o último discurso do presidente Allende pelo rádio, onde ele não chama a população, os trabalhadores e a juventude a reagirem frente ao golpe, mas sim afirma que foi traído pelos comandantes militares apesar dele sempre ter cumprido com a Constituição e com as leis vigentes e que a História o julgará e aos golpistas. Lembremos que Pinochet foi seu ministro do exército nos últimos meses.


Fomos para o Instituto Pedagógico da Universidade do Chile onde eu trabalhava e estudava no Departamento de Matemática. Com algumas centenas de estudantes seguimos para uma grande obra da construção civil ali por perto onde trabalhavam centenas de operários. As lideranças do governo ali presentes nos disseram que viriam armas para a resistência ao golpe. Pinochet decretou o Toque de Recolher a partir das 17h desse dia 11, ou seja, quem fosse apanhado nas ruas seria imediatamente preso.


Eu nunca havia aprendido a atirar, nem Monica. Mas, há momentos na vida onde os princípios marxistas imperam sobre nossas atos. Ficaria ao lado daquela multidão proletária e juvenil para o que desse e viesse, pois sabia que o golpe era contra a minha classe social e eu estava ali junto a ela, apesar de nunca haver apoiado integralmente o governo da Unidade Popular . No entanto, não era momento de me omitir, nem de fugir. Aprenderia rapidamente a atirar, pensei.


Esperamos pelas armas até meia hora antes do toque de recolher. As armas não chegaram até hoje, nem lá, nem em nenhum rincão do Chile.


À noite, lá na pensão, conversando com Monica, concluí que, se houvesse resistência, seria dispersa e pontual.


Do dia 13 de setembro até as vésperas do Natal de 1973

Fui levado a uma delegacia e ao Ginásio do Chile, que era uma praça de esportes fechada, algo parecido com o ginásio do Ibirapuera em SP. A parte interna desse local já estava lotada por alguns milhares de prisioneiros. Assim era porque no decorrer do Toque de Recolher os militares com metralhadoras, carros tanque, helicópteros e todo tipo de armamento entravam nas fábricas, onde os operários esperavam pela resistência que não houve, e os prendiam às centenas de uma só vez.


Eu fiquei na parte acima que contornava esse ginásio, numa ampla sala, ao lado de umas cem pessoas. Vira e mexe escutava tiros vindo do interior do ginásio. Victor Jara, um dos cantores mais famosos daquela época, foi assassinado na frente de todos. Foi nesse local que me encontrei com o amigo e companheiro gaúcho Dirceu Messias, cuja história, a do Anel Azul, é contada em outro texto e vídeo .


Passados uns poucos dias o ginásio ficou pequeno e fomos levados para o Estádio Nacional, o maior campo de futebol do Chile com capacidade para 47 mil pessoas, ficando ele parcialmente lotado.


A cada momento chegavam centenas de operários. Eles diziam que eram de tal ou qual fábrica, ou seja, ali era o campo de concentração onde os gorilas golpistas aprisionaram a vanguarda da classe operária chilena de Santiago. Era perfeitamente nítido o caráter de classe do golpe.


Havia também alguns milhares de estrangeiros exilados, entre os quais, algumas centenas de brasileiros.


Nos primeiros dias a fome foi se instalando entre todos os detidos. Ficamos algum tempo sem nada comer. Dias depois nos deram café com leite e um pão pela manhã e ao anoitecer. Às vezes nem isso. Assim, no local onde fiquei tive a companhia de mais seis brasileiros exilados. Fiquei responsável para pegar a comida junto aos militares do setor. Um dia o soldado que distribuía a comida me deu,sem querer, um pãozinho francês a mais. A fome era tanta que nos obrigou a discutir e a deliberar o que faríamos com ele. Um dos brasileiros propôs que o pãozinho extra fosse distribuído na sorte. Argumentei que devíamos dividir o pãozinho em sete pedaços iguais. Minha proposta foi vencedora e me coube a dificílima tarefa de cortar com as mãos o pãozinho em sete pedaços iguais.


Aos poucos começaram a nos servir um almoço bem simplório, mas que nos parecia fantástico: comida salgada. Nunca na vida me pareceu tão gostoso um prato de lentilhas.


Fiquei talvez uns 15 dias sem fumar. Foi a única vez em minha vida adulta que parei de fumar diariamente, até que um operário chileno inventou um dos cigarros mais maravilhoso que já traguei. Ele pegou várias cascas secas de banana jogadas ao chão pelas torcidas de futebol em jogos passados e com a ajuda de um canivete retirou toda a parte branca da casca. Parecia uma farinha. Daí então ele pegou restos de jornal velho deixados no chão ,fez uma espécie de funil, colocando essa ‘farinha ‘ em seu interior. Que delícia saborear novamente um belo cigarro!


O encapuçado e os torturadores brasileiros.


Não sei mais quanto tempo passou até um dos dias mais tensos vividos pelos milhares de prisioneiros. Veio uma ordem dos militares para que todos ficassem em pé. De repente apareceu um cara com um capuz preto na cabeça nas margens do alambrado que separa o público do campo. Ele foi andando muito lentamente ao redor das dimensões do campo e com o dedo em riste apontava para algum prisioneiro. Em seguida, algum soldado retirava a pessoa apontada do nosso convívio e o encapuçado voltava a andar. Era um dedo-duro,um infiltrado. Seria alguém camuflado dentro de algum partido de esquerda? Seria algum brasileiro, como depois soubemos que havia infiltração entre os exilados? Pensávamos que quem fosse ‘dedado’ provavelmente seria torturado ou fuzilado. Quando ele passou bem perto onde estava, eu quase não mais respirava.


Nestes dias fiquei sabendo da quase certa morte do meu grande amigo e companheiro do Ponto de Partida, o Tulio Quintiliano. Também acabou morrendo o Wanio José de Mattos, oficial militar brasileiro que havia aderido à guerrilha no Brasil e que foi detido conosco no Estádio Nacional. Wanio sofreu fortíssima prisão de ventre e, ao não receber tratamento médico, acabou por falecer.


Quando chegamos a este estádio, fomos alvo de um interrogatório ultra sumário. Nome, endereço, profissão, o que fazia no Chile. Um ou outro levaram algumas porradas. Lembro-me de um operário chileno que, ao ser espancado, era interpelado por um milico: “Diga a verdade, você é do MIR!” O coitado do detido, respondia aos berros: “No soy del MIR. Soy del Partido Socialista”.


Ao final desse interrogatório, cada estrangeiro era classificado nas seguintes categorias: liberdade condicional; expulsão do país; ir para Justiça Militar. Quase todos foram para a segunda categoria, expulsão do país, já que o golpe repercutira no mundo inteiro. Houve uma imensa solidariedade internacional, bem como, ao não haver resistência dos partidos reformistas, a situação ficou bastante confortável para os golpistas. Assim, não havia perigo que os estrangeiros exilados pudessem engrossar um movimento de resistência. A solução era expulsá-los do país, para bem longe, já que nenhum governo latino-americano aceitou nossa entrada em seu país. Apenas alguns poucos países europeus nos acolheram.


No entanto, eu fiquei sob Justiça Militar. Não sabia o porquê. Quase todos os brasileiros foram expulsos.


Após o encapuçado, houve um outro momento de grande tensão entre nós. Nesse momento os militares já tinham colocado os brasileiros detidos todos juntos num determinado local do Estádio. O mesmo com os uruguaios, argentinos e demais nacionalidades.


É que começou um interrogatório particular , pois a Ditadura brasileira enviou uma equipe especial de torturadores e interrogadores para transmitir ‘know how’ à repressão chilena. Seis companheiros foram chamados e identificaram os policiais brasileiros. O caso foi rapidamente transmitido à Cruz Vermelha Internacional que já atuava no Estádio e o interrogatório foi interrompido. No entanto, a equipe repressiva brasileira permaneceu no Chile por não sei quanto mais tempo.


Alguns momentos inesquecíveis

Lúcio Flávio, um dos banidos pela Ditadura, um belo dia teve uma ideia brilhante. Convenceu a todos os brasileiros detidos que devíamos cantar, pois o canto seria a forma alegre e confiante de enfrentar a prisão e os militares presentes no Estádio. Ele escolheu a lindíssima música do desfile da escola de samba do Império Serrano de 1969, a “Heróis da Liberdade’. Centenas de vozes a entoaram com força total nos lábios e nos corações.


As outras nacionalidades entenderam o nosso recado e cada uma delas cantou a sua música. Lembro-me dos bolivianos cantando “El Condor Pasa”. Até hoje, passados 43 anos, me dá arrepios ao lembrar este episódio. Devo confessar, caro leitor, que várias lágrimas espalham-se pelo meu rosto enquanto escrevo este episódio e vejo o condor livre, voando pelos Andes, ao escutar nesse momento essa música no youtube.


Fiz imensa amizade com os Otto Brokes e Ivens Marcheti. Nos quase três meses que ficamos detidos, o Estádio foi se esvaziando, os estrangeiros expulsos, e o chilenos removidos para outras prisões ou liberados. Eu tinha apenas 25 anos. Otto e Ivens eram cerca de 15 anos mais velhos. Sobre o meu amigo Otto, eu o reencontrei dois anos mais tarde em Portugal da Revolução dos Cravos. Logo depois ele partiu para Angola para lutar ao lado dos guerrilheiros do MPLA . Ivens, barbaramente torturado no Brasil, foi banido ao ser libertado em troca do embaixador norte-americano sequestrado no Brasil em 1969 pela guerrilha. Conversávamos sobre tudo o que diz respeito à vida e à militância em prol do socialismo. Há amizades que são infinitas, que nos marcam para sempre.


Nas últimas semanas de prisão, ficamos apenas em cinco brasileiros detidos. O Estádio estava quase todo esvaziado. Otto e eu chegamos a pensar na hipótese de que nós reviveríamos o famoso caso de Sacco e Vanzetti, ativistas anarquistas inocentes mas condenados à morte e eletrocutados nos EUA na década de 20 para servirem de lição para outros militantes.


Na primeira ou segunda semana de dezembro saí do Estádio e fui parar na embaixada sueca. Em vésperas do Natal, junto com 48 outros latino-americanos, segui para o refúgio na França.


Durante a viagem tinha um sentimento totalmente contraditório. Estava imensamente feliz por sair da prisão, por estar vivo. Por outro lado sentia-me completamente triste pela morte do Tulio, que era quatro anos mais velho e foi um dos maiores amigos que tive na vida. A tristeza também se devia ao fato dos trabalhadores e a juventude chilena serem massacrados impiedosamente por nossos inimigos de classe, quando era plenamente possível o inverso, ou seja, a expropriação da burguesia.


Essa viagem significava também a terceira derrota consecutiva da esquerda brasileira, depois de 1964 e das guerrilhas de 69 em diante. A América Latina iria ser tomada quase completamente por ditaduras pró-imperialistas. Eu estava indo para outro continente distante e forçado a ir para um outro país contra a minha vontade. Também não sabia o que tinha ocorrido com os demais companheiros do Ponto de Partida, grupo político inspirado por Mario Pedrosa e fundado por Tulio . Tinha em minha alma o sabor de uma grande derrota. Me sentia apenas como um ser sobrevivente.

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Ênio Bucchioni trabalhou como jornalista da revista Versus, profissional político de uma das correntes fundadoras do PT, deu aulas de matemática, participou de uma das correntes que fundaram o PSOL em 2003/2004, escreveu um livro sobre a guerra China X Vietnã, foi diretor de base da CUT regional do ABC indicado pela diretoria da Apeoesp de Diadema (sindicato dos professores da rede pública estadual) e tantas outras coisas desde que voltou do exílio.

O DIA DO GOLPE MILITAR – ALUÍZIO PALMAR

Foi no escritório do PCB em Niterói, que fiquei sabendo que as tropas golpistas haviam chegado na cidade do Rio de Janeiro e que o presidente João Goulart estava destituído. Apinhados na salinha, do Edifício Ajax, a gente ouvia, na manhã de 1º de Abril, as notícias de tropas em movimento e manifesto golpista, transmitidas por um rádio emprestado pelo vigia do prédio.

Na véspera, ainda resistimos nas ruas da antiga capital do Estado do Rio de Janeiro, com passeatas e barricadas. No final da tarde, enquanto as tropas do general golpistas ainda estavam em Juiz de Fora, nós saímos em marcha pela Avenida Almirante Amaral Peixoto gritando palavras de ordem em defesa do governo João Goulart, da democracia e das reformas de base. Chegamos na antiga Assembléia Legislativa e nas escadarias o deputado Afonso Celso Nogueira Monteiro fez um pronunciamento, alertando a população sobre a ameaça de um golpe de Estado de caráter fascista e convocava todos para resistir aos golpistas.

Por volta das sete horas da noite chegou um contingente da polícia e um agente ordenou que ele parasse de falar. Afonsinho disse que ninguém ia impedir que ele defendesse a democracia e a legalidade. Nesse instante o agente puxou o revólver e deu um tiro pra cima. O susto foi geral e, temendo o pior, Afonso Celso entrou na Assembléia e, ajudado por outros deputados, fechou as pesadas portas de ferro do legislativo e usou uma saída subterrânea, existente na época, que ia dar atrás do Liceu Nilo Peçanha, para sair da área a tempo de participar de uma reunião de emergência da Comissão Executiva do PCB.

 Na manhã seguinte, 1º de Abril, estávamos na sala do Edifício Ájax, atentos ao noticiário que informava sobre o avanço dos golpistas em todo o país, quando alguém exclamou, não sei se foi Afonsinho ou Miguel Batista: “Vamos resistir”. Foi então que eu peguei o Aquiles Reis pelo braço e pedi que me acompanhasse até São Gonçalo para despedir-me de meus pais e apanhar umas mudas de roupa. Chegamos em casa por volta das onze horas da manhã. Mamãe estava na cozinha e quando ela nos viu diminuiu o volume do rádio, que, naquela altura dos acontecimentos, transmitia apenas marchas e dobrados militares. Tirou o avental e nos recebeu com beijos. Não foi nem preciso que eu revelasse o motivo de minha chegada, assim, sem mais nem menos. Sua intuição materna era suficiente para que ela percebesse o que estava acontecendo. Preparou o café com leite, destapou a manteigueira, passou no pão e ficou muda enquanto a gente comia. Em seguida, nos acompanhava até o portão. Beijei-lhe a face molhada pelas lágrimas de seu pranto mudo e fui.

Eu tinha 20 anos e Aquiles, acho que um pouco menos. Nosso plano era ir direto para o Sindicato dos Operários Navais de Niterói, onde faríamos contato com a resistência contra os golpistas. Porém, nem descemos do ônibus. O sindicato, os estaleiros e os bairros operários estavam ocupados pelos militares. Eu chorei, chorei e meu peito doeu ao ver nossos sonhos caírem por terra.

Acabrunhados, fomos direto para o apartamento de Aquiles, no bairro de Icaraí. Naquele momento eu queria era ir para o Rio Grande do Sul e juntar-me à resistência comandada por Leonel Brizola. Assim que contei para o pai de Aquiles, velho militante do PCB, a minha intenção de pegar em armas, ele se levantou da poltrona e disse: “Calma rapaz, essa quartelada de merda não vai durar muito tempo”. Infelizmente a previsão otimista de Geraldo Reis não se consumou. Os golpistas ficaram no poder durante mais de 20 anos. Geraldo foi perseguido, demitido de seu emprego na Coletoria de Rendas e morreu de tristeza anos depois. Acabou virando nome de CIEP em Niterói, numa justa homenagem feita por Brizola, quando foi governador do Estado do Rio de Janeiro. A resistência aos golpistas não aconteceu, veio a luta interna dentro do PCB, rompemos com a direção e eu acabei caindo na clandestinidade para organizar a luta armada, sendo mais tarde preso, torturado e banido do país. Aquiles seguiu carreira musical com seus colegas do MPB4 e fez da arte uma forma de resistir, Afonsinho passou um tempo preso no Estádio Caio Martins. Mamãe, papai, minha irmã e meus irmãos, foram perseguidos durante anos, e eu só fui entrar em contato com a família em agosto de 1979, quando a Lei da Anistia foi promulgada.  

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Aluízio Palmar é jornalista, e fundador do CDHMP de Foz do Iguaçu. Em 1969, foi preso e em 1971, banido do País, após ser trocado juntamente com outros presos políticos, pelo embaixador da Suiça. É autor do livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?” e em 2020, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, concedida por entidades de direitos humanos e movimentos sociais. É editor do portal DocumentosRevelados.com.br

O TERROR DA DITADURA SOBRE MINHA FAMILIA – ROQUE APARECIDO DA SILVA

Vivemos dias dramáticos em nosso país. O genocida que ocupava a Presidência e seus apoiadores defendiam a Ditadura e as torturas. Um dos seus grandes heróis é o Coronel Ulstra, que foi um dos líderes dos torturadores durante a Ditadura Militar, que durou de 1964 a 1985. Quem não viveu nesse período e mesmo muitos que viveram não têm muita ideia sobre o que foi a Ditadura Militar.


Aqui apresento um relato sobre o que ela significou para mim e minha família, especialmente para meu irmão João Domingues da Silva, que foi militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), preso e torturado até a morte e para minha irmã Iracema Maria dos Santos, na casa de quem João foi preso.


Quando prenderam meu irmão, eu já estava preso há seis meses. Eu era militante da VPR e tinha sido preso no dia 2 de fevereiro de 1969, quando ia me encontrar com um Companheiro que, não sabia, tinha sido preso e, sob tortura, levou os torturadores ao ponto de ônibus onde ia se encontrar comigo. Quando cheguei e cumprimentei o companheiro, vários policiais que “esperavam ônibus” me agarraram, jogaram dentro de uma viatura e já começaram com as torturas. Queriam saber principalmente onde estava o Capitão Lamarca, além de vários outros Companheiros da VPR, que já tinham identificado.
Foram alguns dias terríveis. Fazia apenas nove dias que o Capitão Lamarca tinha abandonado o Exército, o que aumentou ainda mais o ódio e a violência da repressão.

Como eu era um dos dirigentes da VPR, os torturadores acreditavam que eu teria como chegar ao Lamarca. Chegando na Operação Bandeirantes (OBAN) já tiraram minha roupa, me penduraram no “pau de arara”, com fios elétricos amarrados no pênis, nas orelhas, nos dedos, enfiados no anus, com corrente elétrica de 220 volts. Eram três torturadores que, com violência inimaginável, queriam saber o paradeiro de Lamarca e de outros Companheiros.


O auge da violência foi quando, com um alicate, quebraram um dente, que já estava cariado, para dar choque no nervo que ficou exposto,
Nesse momento desmaiei. Então me jogaram em um canto e foram “cuidar” de outros Companheiros que já estavam presos. Quando recuperei os sentidos, pensei que, se tinha aguentado a tortura até o desmaio, aguentaria até a morte e não entregaria ninguém. Esse raciocínio me ajudou a perder o medo de não aguentar e entregar algum Companheiro. Então mudei de comportamento. Deixei de ficar calado e comecei a “enganar” os torturadores. Era uma tarde e disse que ia me encontrar, no outro dia pela manhã, com um companheiro que eles não conheciam. Então interromperam as torturas e começaram a cuidar do meu corpo, da minha aparência, para que pudessem me levar, no dia seguinte, ao encontro.


Como não apareceu ninguém, perceberam que estavam sendo enganados e a violência se tornou ainda maior. Eu dizia que o Companheiro provavelmente teria sido informado da minha prisão e por isso não tinha comparecido. Face à violência insuportável, falei que tinha encontro com outro Companheiro no dia seguinte pela manhã. Não queriam acreditar mas tiveram que amenizar as torturas para que, no dia seguinte não estivesse com o rosto deformado na hora do encontro.


Foi assim que o desmaio, no auge da violência, depois de mais de vinte e quatro horas seguidas de tortura, me levou a pensar e mudar o comportamento frente aos torturadores, me possibilitou continuar vivo. Depois de mais de vinte dias sendo torturado e convivendo com a tortura de outros Companheiros, fui levado para o Presídio Tiradentes, que era exclusivo para presos políticos. Fiquei em uma cela com outros nove companheiros. Eram cinco beliches.


O dia 29 de julho de 1969 foi normal na vida de Iracema. Despertou às cinco da madrugada, acordou a filha Eliana e o marido, tomaram café, levou Eliana para a escola e às sete horas assumiu o trabalho de cozinheira na Escola “Marechal Espiridião Rosa” no Jaguaré.


Saiu desse trabalho às dezesseis horas, levou a filha para casa e foi para a Escola Deputado Augusto do Amaral, onde trabalhava de inspetora de Alunos. Às 21 e 50 horas voltou para casa, arrumou a cozinha e deixou tudo preparado para o recomeço às cinco horas da madrugada seguinte.


Às 23 horas, quando estava indo dormir, ouviu uma batida conhecida na janela. Era o João Domingues da Silva, nosso irmão de 20 anos. Iracema foi correndo abrir a porta, olhou para todos os lados e fechou a porta novamente. João, que estava na clandestinidade, entrou todo ensanguentado. Tinha rompido um cerco policial e recebido um tiro do lado esquerdo do peito, logo abaixo do mamilo.
Iracema imediatamente começou a fazer um curativo para estancar o sangue. Constatou que não era nada grave. Apenas uma bala.


Minutos depois a casa foi invadida e cercada por dezenas de policiais. Revistaram tudo e levaram presos João e Adolfo, marido de Iracema. Em seguida invadiram uma casa próxima, de meus pais, e levaram nosso pai e meus outros irmãos Liceu e José, um adolescente de dezessete anos.


Iracema não levaram, deixaram de “isca” e ficaram vigiando a casa para ver se chegava alguém. Como ela não saiu e não chegou ninguém, voltaram às quatro e meia da madrugada e a levaram diretamente para o Comando Geral do 2º Exército. Interrogaram-na durante quarenta horas seguidas. Acusaram-na, como saiu na manchete dos jornais do outro dia, de ser enfermeira da VPR, mas queriam saber mesmo era o paradeiro do Capitão Lamarca. As equipes de interrogatório se revezavam.


O momento mais terrível para Iracema foi ver que um dos integrantes da equipe de torturadores era o professor Ramos, professor na escola em que ela trabalhava e pai de um aluno. Depois de quarenta horas, quando já nem compreendia mais as perguntas que faziam, deixaram-na por um tempo. Porém durante quatro dias sofreu esses interrogatórios constantes, sem água, sem ir ao banheiro, sem nada.
Solta, a seguiram todo o tempo. Suas pernas tremiam quando ia para o trabalho, pois tinha que conviver com aquele “professor” torturador como se nada tivesse existido entre eles.


Logo após ser solta, foi ao Hospital das Clínicas saber notícias do irmão João. Lá foi informada que depois de ter sido internado apareceu uma equipe de médicos e enfermeiros e o levaram para exames e nunca mais voltaram. João foi sequestrado do Hospital das Clínicas por policiais disfarçados de médicos e o mais lógico era que tivesse sido levado para o Hospital Geral do Exército, no Cambuci. Começou aí a via-crúcis de Iracema para encontrar nosso irmão. Ela foi incontáveis vezes ao Hospital do Exército. Perguntavam o nome dele, buscavam papéis, olhavam muito para ela e nada. Ele não estava lá, diziam. Ela não desistia. Além disso, os companheiros com quem ela mantinha contato cobrindo pontos, ou que se encontravam no presídio Tiradentes, como eu, aconselhavam-na a não desistir de procurar o João no H.G. do Exército. Corajosamente, Iracema ia do presídio para o trabalho ao lado do torturador, ajudava seus velhos pais que tinham dois filhos presos, sendo um no Presídio Tiradentes e o outro desaparecido. Uma das vezes que foi ao H.G. do Exército, quando perguntou aos soldados na portaria, um deles, que estava chegando, perguntou ao da guarda: “não é aquele magrinho que está na 5ª enfermaria? ” Iracema percebeu tudo, porém não pôde entrar, não deixaram.


Nos dias de visita ao Presídio Tiradentes os presos aguardavam sua chegada com ansiedade. Ela trazia notícias dos companheiros da VPR, que continuavam na luta e levava informações para eles.


No 43° dia da prisão do João alguns policiais foram ao seu trabalho dizendo que iam levá-la porque o João precisava ser operado urgentemente e o Hospital precisava da autorização dela. Iracema reagiu dizendo que não ia. Que todos os dias ia ao Hospital e diziam que ele não estava lá. E que o responsável maior por ele era seu pai. Então que fossem buscar a autorização com ele, pois sabiam muito bem o endereço, já que tinham ido muitas vezes à casa dele. Os policiais insistiram que tinha que ser ela porque em seus momentos de delírio João a chamava: Ira, Ira. Não é você? Ela resistiu ainda, mas eles garantiram à diretora da escola que Iracema não seria presa. Só então ela consentiu em ir com eles. Deram a ela um calmante dizendo que ia precisar, e entraram justamente na 5ª Enfermaria. O choque foi tão grande que Iracema não conseguiu controlar a urina que escorria por suas pernas. João estava completamente desfigurado: só pele e ossos. E a boca toda dilacerada, faltando pedaços. Mesmo assim ele reconheceu sua irmã e esboçou uma espécie de sorriso.


O desespero tomou conta dela, e tremendo, foi levada para conversar com os que se diziam médicos, com uma pilha enorme de papéis para ela assinar, dizendo que era autorização para uma cirurgia complicada, da qual dependia a vida dele. Ela assinou. E em seguida percebeu que era um truque. Viu alguma coisa que dizia que a família, através dela, estava acompanhando o tratamento desde o momento da prisão.
Feita a cirurgia, Iracema pôde visitá-lo algumas vezes e ele apresentava melhoras. Na última vez que ela viu João vivo foi no dia 21 de setembro. Chegaram a fazer planos para o futuro.


No dia 25 de setembro, quatro dias depois de vê-lo melhorando, os torturadores foram de novo na escola. Ela levou um susto imenso. Eles avisaram que João estava morto e que era preciso retirar o corpo do IML. Foi uma correria de dia inteiro para liberar os papéis, o atestado de óbito etc. que só se completou no final da tarde. O corpo foi entregue congelado, lacrado em uma urna, colocada dentro do caixão. Dava para ver os olhos, parte do rosto que era pura pele e osso, e o nariz. A boca estava tampada.
Fizeram o velório assim mesmo. Muita gente acorreu. Ele era muito querido. No meio do povo havia muitos policiais disfarçados. O povo tomou o caixão dos agentes funerários e o levou nos braços pelas ruas de Osasco.


Iracema continuou com os dois trabalhos, sendo um ao lado do professor torturador. Ao mesmo tempo convivia com os revolucionários quando os visitava no presídio e os encontrava nas ruas. Iracema cuidou da família, da sua própria vida, dos velhos pai e mãe e dos irmãos mais frágeis.


Antônio Roberto Espinosa, que foi dirigente da Var-Palmares e que estava preso no Tiradentes disse que Iracema foi mãe, irmã, mulher e companheira de todos que lutaram pela democracia e pela liberdade, contra a Ditadura.

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Memória escrita em 17 de março de 2020

Roque Aparecido da Silva
Um dos líderes da Greve dos Metalúrgicos de Osasco de 1968
Ex-Secretário de Cultura de Osasco
Mestre em Sociologia pela Universidade Sorbonne, Paris.

Roque e sua irmã Iracema

PODERIA ESTAR ENTRE NÓS, GEOLOGANDO – CAMILLO VANNUCCHI

Meu nome é Alexandre Vannucchi Leme e fui torturado até a morte há 50 anos – 16/03/2023 – UOL Notícias


Estudante de geologia na USP e líder estudantil, Alexandre Vannucchi Leme foi assassinado aos 22 anos no DOI-Codi de São Paulo, em 17 de março de 1973 – Acervo da família

O meu nome é Alexandre Vannucchi Leme. Quando entrei na USP, em 1970, ganhei o apelido de Minhoca. A turma achava graça quando eu imitava um dos professores da Geologia, o Sérgio Estanislau do Amaral, conhecido como Minhocão. Quem não era da Geo devia pensar que eu virei Minhoca por ser franzino e por estar sempre me metendo na terra – o que também é verdade.

Sempre fui vidrado em geologia. E colecionava rochas desde menino, em Sorocaba, no interior de São Paulo. Aonde eu fosse, voltava sempre para casa com algum mineral. Limpava as amostras, classificava, anotava a procedência, separava as ígneas das metamórficas e das sedimentares… Algumas eu dava de presente. Minhas irmãs ainda devem ter algumas dessas pedras.

Tenho quatro irmãs e um irmão, todos mais novos. Botei apelido em todos eles. A Regina eu batizei de Fejorelo; a Míriam virou Norelo; a Cristina é a Niquinho, o Zé Augusto virou Zé Cuiara e a Beatriz, Belecoteco. Devem ter se sentido vingados quando eu virei Minhoca.

Eu tinha 19 anos quando entrei na USP e me mudei para São Paulo. Egle, minha mãe, gostava de repetir, orgulhosa, que eu tinha sido o primeiro colocado no vestibular. Naquela época, não tinha Fuvest, e cada faculdade fazia seu próprio exame de seleção. Cheguei com fama de bom aluno.

A verdade é que eu sempre gostei de estudar. Dava aulas particulares de português e matemática e passava o resto do tempo entre cadernos e livros. Só parava pra ver jogo do Timão. À noite, fechava a porta do quarto e ficava lendo até tarde, a única luz acesa da casa. Às vezes, mergulhava num tema por semanas.

Uma vez, o Adriano, que cuidava da área cultural do centro acadêmico, me pediu uma pesquisa sobre o impacto ambiental da Transamazônica, uma obra faraônica que tinha virado a menina dos olhos dos militares. O grupo de teatro estava montando uma peça com o espirituoso título de “Uma Transa Amazônica” e precisava de informações pra incrementar o texto. Pedi orientação pro Aziz Ab’Saber e levantei uma série de dados.

Em pouco tempo, comecei a participar do movimento estudantil. Naquela época, era tudo mais complicado. Censura, governo Médici, muita gente presa… Desde 64, os centros acadêmicos eram proibidos por lei de promover ações, manifestações ou propaganda política de qualquer espécie. Mas a gente se virava. Editava jornais, convidava artistas, organizava encontros e ia fazendo oposição à ditadura do jeito que dava.

No terceiro ano, me aproximei da Ação Libertadora Nacional. Distribuía panfletos, escrevia notas, às vezes ajudava a esconder alguém ou alguma coisa, e buscava, à medida do possível, aumentar a adesão dos universitários à luta por democracia. Formávamos uma espécie de base de apoio da ALN dentro da universidade: o Enzo, o Queiroz, o Adriano, o Frazão, a Loira, o Babão…

No começo de 1973, o cerco começou a se fechar. O Enzo deixou o país. O Queiroz caiu na clandestinidade. Dois primos meus de São Joaquim da Barra, o Zé Ivo e o Paulinho, tinham sido presos. O Paulinho já somava dois anos de cadeia. Cheguei a visitá-lo em dezembro. Naquele Natal, levei a Lisete, minha namorada, para apresentar à família. De volta a São Paulo, dobramos os cuidados. Surgiram rumores de que havia um agente infiltrado em nosso grupo.

Ainda assim, eu continuava indo às aulas. Não usava codinome nem era clandestino. Em fevereiro, só não fui ao estágio de campo com a turma da Geologia em Diamantina porque tive de fazer uma cirurgia de emergência para retirar o apêndice no finalzinho de janeiro. Passei um mês praticamente de molho, deus me livre.

Fui sequestrado e conduzido ao DOI-Codi no dia 15 de março, uma quinta-feira, perto da hora do almoço. O major Carlos Alberto Brilhante Ustra estava eufórico. Minha prisão era tudo o que ele queria pra desmantelar a presença da ALN na USP. Ele acreditava que bastaria me apertar para que eu entregasse os companheiros.

Os primeiros a me torturar foram os agentes da equipe C: Attila Carmelo, que os colegas chamavam de Dr. Jorge, o Oberdan, o Mario, o Marechal e o Lourival Gaeta, que usava o codinome Mangabeira. Eles atribuíam a mim ações que eu não cometi, até porque estava de repouso em Sorocaba naquelas datas. Pediam nomes e eu dizia o meu, pediam nomes e eu repetia o meu, horas a fio.

A tortura se estendeu até à noite, quando fui jogado na X-zero, a solitária. No dia seguinte, quem assumiu a tortura foi a equipe A: Alemão, Rubens e Silva, Dr. Tomé, Dr. Jacó. “Meu nome é Alexandre Vannucchi Leme. Meu nome é Alexandre Vannucchi Leme”. Foi a mesma coisa no sábado de manhã. Voltei para a solitária ao meio-dia, desta vez carregado.

Por volta das quatro da tarde do dia 17 de março de 1973, foram me buscar para mais uma sessão de tortura e encontraram meu corpo inerte. Recém-operado, não resisti à porrada e aos choques elétricos. Uma hemorragia interna foi minha sentença de morte.

Meu corpo estava todo ensanguentado quando fui arrastado para fora da solitária. Um corre-corre dos diabos. Mandaram todo mundo encostar no fundo das celas e fizeram uma busca por giletes e outros objetos cortantes. Os torturadores diziam que eu havia me cortado com uma navalha. Ustra, no pátio, berrava: “Acabei de mandar o Minhoca para a Vanguarda Popular Celestial!” E dava tiros para o alto.

Em seguida, começaram a preparar outra versão. Fui jogado no porta-malas de um carro e levado para a esquina da Rua Bresser com a Avenida Celso Garcia, no Brás, onde o motorista de um caminhão foi pago para passar por cima de mim e declarar que havia me atropelado, ou melhor, que eu havia pulado na frente do caminhão ao tentar escapar da polícia. “Subversivo tenta fugir, mas morre atropelado”, dizia o título de uma das matérias publicadas nos jornais.

Fui enterrado às pressas, como indigente, no Cemitério Dom Bosco, em Perus, antes da publicação das matérias. Avisado da minha prisão por um telefonema anônimo, meu pai, José, professor do Senai em Sorocaba, viajou para São Paulo e me procurou no Dops, no DOI-Codi e no IML. Em todos esses lugares, negaram que eu tivesse sido preso. Meus pais souberam pelos jornais que eu estava morto. Foi o início de uma longa jornada por justiça e reparação.

Logo após a minha morte, dezenas de estudantes da USP foram presos e torturados. A repressão buscava alguém que testemunhasse contra mim, que dissesse o quão perigoso eu era, a fim de justificar minha execução. Foi um tiro no pé. Procurado por um grupo de estudantes, o arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, decidiu celebrar uma missa em minha homenagem junto com o bispo de Sorocaba, Dom José Melhado Campos, e ofereceu a Catedral da Sé. Nasci numa família muito católica, com um tio padre e três tias freiras, e não havia quem se conformasse com a minha morte nem com a ausência de um corpo para velar.

Como ninguém sabia ao certo em que dia eu tinha sido morto, consideraram a data da divulgação pelos jornais e marcaram uma missa de sétimo dia para 30 de março, uma sexta-feira. Três mil pessoas lotaram a catedral naquela tarde. No altar, Dom Paulo repudiou publicamente a versão de suicídio e responsabilizou o Estado pela minha morte. “Só Deus é dono da vida; d’Ele a origem, e só Ele pode decidir o seu fim”, protestou. Devo muito a Dom Paulo. “Coragem”, ele costumava dizer. “Coragem!”

São Paulo parou naquele dia. A polícia e o Exército montaram blitz em diversos pontos da cidade para dificultar o acesso à região central e evitar que a igreja enchesse. Não adiantou. Sérgio Ricardo, o mesmo compositor que havia quebrado o violão no Festival da Record de 1967, chegou do Rio de Janeiro para cantar e tocar “Calabouço”, uma música que ele havia acabado de gravar em homenagem a outro estudante morto pela repressão, o secundarista Edson Luís de Lima Souto.

Minha mãe e meu pai jamais desistiram de esclarecer as circunstâncias da minha morte e de fazer justiça. Mário Simas e José Carlos Dias foram os primeiros advogados a cobrar explicações sobre minha morte e meu paradeiro. Apenas em 1983, dez anos após meu assassinato, minha família recebeu meus restos mortais e pôde sepultá-los em Sorocaba. Naquele dia, por algumas horas, fui velado na Sé ao lado de Frei Tito, frade dominicano que abreviou a própria vida na França, assombrado pelas lembranças das torturas que sofrera em 1969. Um homem bom.

Fui anistiado, postumamente, em 2013. Em 2014, o Estado retificou minha certidão de óbito, incluindo a informação de que fui morto no DOI-Codi por “lesões provocadas por tortura”.

Desde 1976, o diretório central dos estudantes da USP tem o nome de DCE-Livre Alexandre Vannucchi Leme. Cinquenta anos após a minha morte, meu retrato pode ser visto em cards e bandeiras, nos muros e nas paredes do campus. Na imagem, o mesmo jovem militante que terá, para sempre, 22 anos.

Nesta sexta-feira, 17 de março de 2023, o cinquentenário do assassinato de Alexandre Vannucchi Leme será rememorado com um ato na Sala dos Estudantes da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, das 16h às 18h30. Na ocasião, estarão presentes colegas de classe e de militância de Alexandre e haverá o lançamento de uma exposição virtual sobre ele, organizada pelo Instituto Vladimir Herzog e publicada na plataforma Google Arts & Culture em três idiomas. Em seguida, às 19h, dom Pedro Stringhini, bispo de Mogi das Cruzes, preside missa em memória de Alexandre na Catedral da Sé, ao lado de Dom Angélico Sândalo Bernardino. As atividades são uma iniciativa do Instituto Vladimir Herzog com a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns e o Núcleo Memória, com o apoio da Coalizão Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia, a OAB-SP, o DCE-Livre da USP Alexandre Vannucchi Leme e o Centro Acadêmico XI de Agosto. Haverá apresentações musicais de Renato Braz e do Coro Luther King.


Fonte: https://noticias.uol.com.br/colunas/camilo-vannuchi/2023/03/16/meu-nome-e-alexandre-vannucchi-leme-fui-torturado-ate-a-morte-ha-50-anos.htm

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Camilli Vannucchi é jornalista, vencedor por duas vezes do Prêmio Jabuti. Primo de Alexandre Vannucchi

MINHAS MEMÓRIAS DO ALEXANDRE VANNUCCHI, O MINHOCA – MARCELO CHUEIRI

Meu nome é Marcelo e agora estamos no ano de 1973.

Curso engenharia na USP, aqui sou o Turco, a maioria de nós tem apelidos, Cascão, Brócolis, Pato, Cacareco, Babão e por aí vai. Muitos nem sabem meu nome de batismo.

E tem o Minhoca, o Alexandre da Geologia, grande amigo e companheiro na luta pela melhoria da Educação e na resistência democrática à pior Ditadura que o Brasil conheceu.

Nos conhecemos quando os Centros Acadêmicos da USP decidem se unir em um Conselho que unisse estudantes de todas as faculdades da USP, o CCA USP.

Todas as entidades estudantis mais amplas tinham sido colocadas na ilegalidade pela Ditadura Militar, com mais violência a partir do famigerado AI-5, em dezembro de 1968: a UNE, Entidade Nacional, as UEE’s, Entidades Estaduais e os DCE’s, Diretórios Centrais de cada Universidade passaram a ser perseguidas. Tudo com o objetivo de impedir as manifestações estudantis que se opunham ao regime ditatorial e que tiveram seu auge em 1968.

O AI-5 suspendeu o Congresso, acabou com eleições diretas em vários níveis, desfigurou o STF, cassou e prendeu Professores, Promotores, Deputados, Líderes sindicais e estudantis, censurou toda a imprensa.

E criou órgãos de repressão clandestinos, especialmente os DOI-CODI, onde não existia mais lei e viram regra a tortura, assassinatos e sumiço dos corpos dos oposicionistas, um Estado paralelo, no qual só existia liberdade para a mais violenta repressão.

Voltamos há 50 anos, março de 1973, e uma notícia corre como um raio pela USP: o Minhoca caiu, foi preso pelo DOI-CODI e nada se sabe dele num primeiro momento.

Logo a seguir a notícia trágica, Alexandre está morto e desfigurado, e a repressão inventa um “atropelamento” dele por um caminhão, uma “fake news” 30 anos antes das redes sociais.

Em meio à nossa dor e indignação, reagimos!

O CCA USP – que o Alexandre tinha ajudado a construir – se reúne rápido e decidimos fazer uma Missa em homenagem ao nosso Minhoca e de denúncia do crime bárbaro.

Em 1972, tínhamos feito duas ações fortes contra a Ditadura: Um plebiscito contra o Ensino Pago, que a Ditadura queria implantar nas Universidades Públicas, quando 20 mil estudantes da USP deram um sonoro NÃO, que ocasionou a ira do então Ministro da Educação Jarbas Passarinho, nos acusando de fazer uma “aliança entre ricos e comunistas”. O ministro se desmoraliza e nunca mais o tema volta à pauta da Ditadura.

E o mais importante ainda, o CCA USP dá apoio público à maior greve de fome de presos políticos de nossa história em maio de 1972, quando fomos levar ao então novo Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, que tinha assumido a liderança contra as absurdas condições carcerárias em que viviam as inúmeras presas e presos políticos do regime ditatorial.

Essa união e ação conjunta com Dom Paulo cria um novo canal democrático, com apoio da CNBB, OAB e ABI que serão essenciais na crise que se abre com o assassinato do Alexandre.

A proposta inicial nossa é fazer a Missa na Cidade Universitária, mas Dom Paulo. sabiamente, pondera que na USP não tínhamos nenhuma garantia, mas “no meu território, a Catedral da Sé, eu garanto a Missa”.

Começamos a convocação, sabendo que tinha que ser grande a mobilização, se tivéssemos pouca gente, seríamos presa fácil da repressão.

A capacidade do CCA chegar a todas as Faculdades e, o canal com Centros acadêmicos de outras universidades, faz espalhar rápido a ideia da Missa.

Dom Paulo mobiliza a Igreja com sua liderança e capilaridade. Mais uma vez, a OAB e a ABI dão apoio e respaldo. E nos reunimos com Ulysses Guimarães, presidente do MDB na Assembleia Legislativa de São Paulo, conseguindo mais apoio político e discursos no Congresso. Ulysses nos diz ao final da reunião: “Muita coragem de vocês meus jovens, mas muito cuidado, esses militares são capazes de tudo”

Já estamos em 20 de março, temos que acertar a data. Precisamos de tempo pra mobilizar e escolhemos dia 30 de março uma sexta, tem que ser um dia útil, a Praça da Sé tem que estar na muvuca de Sampa. O ideal seria 31 de março, mas era sábado e o Centro estaria vazio. Mesmo assim a Ditadura e sua repressão consideram, corretamente, que a data é também uma afronta e um recado nosso…

A Missa é um sucesso, mais de 4 mil presentes, Catedral lotada pra homenagear Alexandre e ouvirmos a dura e corajosa fala do Arcebispo de São Paulo.

Dentro da igreja aparece a TV Gazeta com a desculpa de transmitir o evento, mas suas câmeras vão filmando a todos nós, fileira por fileira, um arranjo com a repressão para identificar os presentes e tentar achar alguém que perseguiam. Uma cena impossível de esquecer, muitos tapando o rosto ou virando de costas… Em volta da catedral muitos agentes (in)disfarçados e a orientação ao final da Missa era sairmos em pequenos grupos como autoproteção.

Acontecia o primeiro grande ato político de massa após o AI-5, um grande avanço da resistência democrática no auge da Ditadura que ainda demoraria 12 anos para cair.

Querido Minhoca, seu martírio não foi em vão! Você um Ser Humano admirável, sensível, que levava a vida a sério, ótimo aluno, companheiro e filho. Que sonhava com um Mundo melhor, um Brasil justo e democrático e que abruptamente foi tirado de nós, sem ver que sua luta deu muitos frutos nos anos que se seguiram, embora tenhamos muito o que trilhar para a plenitude de nossos sonhos.

Você teve o papel de ajudar a construir a força política que usamos para revidar à altura o crime contra vc e todas e todos nós e manter vivos nossos sonhos.

Houve muitas prisões e assassinatos em 1973 e anos seguintes, mas tínhamos aprendido caminhos para isolar e desagregar as bases de apoio do regime, a sociedade começava a perder o medo e ter esperança novamente.

Em 1975, ocorre mais um caso de morte sob tortura que tem muita repercussão (entre muitos outros): o jornalista Vladimir Herzog aparece enforcado na sua cela de preso político, num falso suicídio. A reação é imediata: Dom Paulo abre a catedral de Sé para o protesto e denúncia, dessa vez um Culto Ecumênico, envolvendo várias organizações religiosas

Em 1976, eu já trabalhava como engenheiro e cursava o curso noturno da Física e pude participar da reorganização do DCE da USP em eleições livres e à luz do dia, com a participação de milhares de alunos da USP.

E o nome do DCE não podia ser outro: ALEXANDRE VANNUCCHI LEME

Alexandre você continua e está presente!

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Marcelo Chueiri é engenheiro e professor, militante ativo em várias frentes contra a Ditadura entre 1968 e 1985, foi Secretário de Desenvolvimento em Guarulhos e Embu das Artes, Diretor da Agência de Desenvolvimento de Guarulhos e de São Paulo. Atua em projetos de Desenvolvimento Sustentável atualmente

EU FUI TESTEMUNHA DOS FATOS- AMAURY MONTEIRO

Março de 1973, eu estava preso no DOI-CODI / SP, juntamente com outros mais de 40 trabalhadores, estudantes, professores, donas de casa. Para quem nunca ouviu falar, DOI-CODI era a sigla de uma organização do Exército brasileiro criada com a finalidade de prender, torturar, destruir inimigos ou não amigos do regime militar que vigorava no país naqueles tempos. Traduzindo: era um centro de torturas e aniquilação de “inimigos” do regime!

Naquele espaço valia tudo, menos respeitar Direitos Humanos e direitos Individuais. Ali atuavam agentes preparados e treinados para destruir os seres humanos que ousassem discordar de qualquer coisa no Brasil, que desagradasse aos inimigos do regime.

Eu entrei lá em 01 de março de 1973, há exatos 50 anos, e logo entendi o método que quiseram me impor: a destruição física, moral, intelectual, ética, minha e de todos que porventura me cercassem, mesmo que de modo distante; até meu pai morto há 3 meses fazia parte do jogo deles, imaginem o resto!

Para eles, as primeiras 48 horas após a sua prisão, eram decisivas e valia tudo. Pau de arara, cadeira do dragão, palmatória, choques, tapas, chutes, gritos, roleta russa (praticada pessoalmente pelo demônio chefe Ustra) contra minha cabeça, enquanto eu era torturado por dois ou três…Mas isso não acontecia só contra mim, acontecia o tempo todo, contra todos os que lá estavam. Os gritos deles e os meus eram lancinantes, dia e noite. Não tinha hora para você ser chamado para mais uma sessão, era um entra e sai das celas dia e noite. Nós já estávamos condicionados, às 2h da manhã, por exemplo, ao ouvir passos e a palavra Rapazinho (nome que a repressão me deu), já levantava e ia cumprir meu destino…

E por que conto isso?

Primeiro, é dificílimo exprimir em palavras, mesmo 50 anos após, as emoções, as dores, as marcas, os horrores que todos os que passaram por lá, viveram. Mas para descrever o que vou contar a frente, é preciso colocar o leitor em desconforto para, pelo menos, imaginar a sucursal do inferno onde estávamos. Segundo, para relatar a todos que, conforme constatado e provado pela Comissão da Verdade, naquele local além das sequelas deixadas, muitos de lá saíram sem vida, muitos desses a família sequer teve o direito cristão de enterrá-los e, a muitos outros, a família só teve o direito de enterrá-los muitos anos após sua morte, como o caso que relatarei abaixo.

15 de março de 1973:

A rotina no cárcere seguia idêntica, torturas, gritos, desespero, quando a música dos carcereiros aumentou, mais uma grande festa entre os torturadores, portas batiam freneticamente,… era o sinal de que mais um preso estava chegando. Chegou, e como todos os outros recém chegados, logo entrou na emergência das primeiras 48 horas e foi torturado barbaramente, seus gritos eram horríveis, e essa tortura varou a noite, entrou no novo dia e lá pela hora do almoço do dia 16/03, a ele foi apresentada a cela forte – a solitária.

Enquanto isso, nesse dia 16/03, nós, que estávamos presos no corredor de celas em frente à cela forte, fomos todos transferidos para as celas ao seu lado. Eu logo entrei na cela imediatamente ao lado da cela forte pela conveniência de acertar depoimentos com um companheiro de lutas, antes que alguém percebesse esse movimento, e lá fiquei. Perceberam depois, mas já era tarde!

Sabíamos que o recém chegado tinha ligações com a ALN e nada mais, informação trazida pelo Vergatti, liderança de nosso partido que virava e mexia estava sendo acareado com alguém, numa frequência maior que a nossa.

17 de março de 1973

A noite tinha sido de muitas torturas para nosso colega de cárcere recém-chegado, torturado a exaustão foi trazido carregado para a cela solitária por volta das 10/11 horas. Naquele dia nos permitiram que saíssemos para tomar sol no pátio em frente às celas e, eu e o amigo JP nos postamos a frente da cela solitária onde estava aquele companheiro. Ele nos olhava pela pequena janelinha da porta de aço e nós o olhávamos, trocando olhares como se quiséssemos achar um espaço para nos comunicarmos, até que…

Um irmão meu, muito “sem noção”, tentou me visitar no DOI/CODI e, enquanto estávamos no pátio, um carcereiro chegou com uma caixa em formato de circunferência de uns 40 cm, repleta de bombons de cereja com licor e me disse: Seu irmão iria visitá-lo, mas devido a situação agitada aqui (leia-se torturas no Alexandre, além de que aguardavam novas prisões a qualquer momento), não pôde. Deixou essa caixa para você. Quando eu vi do que se tratava, depois de fazer joça com a ideia estapafúrdia do meu irmão de trazer aquilo para um preso, sai distribuindo chocolates para o povo que estava preso e, ao perceber que os carcereiros estavam confusos, fui direto ao rapaz da solitária.

Nessa hora travei um rápido diálogo com ele, vi-o com o rosto machucado, achei-o mais novo que eu, entreguei o chocolate em solidariedade e os carcereiros me empurraram rapidamente de volta para a minha cela, proibindo-me de ampliar o diálogo com aquele rapaz. Esse episódio fugaz, que nada tem de heroico ou significante, só tem um sentido de ser contado: o episódio aconteceu entre 12 e 13 horas do sábado, 17/03/1973 e foi o último contato daquele rapaz com um ser humano.

17 de março de 1973 – 15/16 horas (as horas são estimadas)

Novo bater de portas, música aumentada, festa na carceragem, sinal de que mais um preso entrava no DOI/CODI. Hoje sei que era o companheiro Adriano Diogo. Passados alguns minutos, vieram buscar o rapaz, que hoje sabemos se chamava Alexandre Vannucchi Leme, estudante da Geologia da USP e que daqui para frente tratarei pelo seu nome em respeito a ele e aos seus familiares, mas que eu só vim a saber o seu nome após a missa do dia 30/03.

Eu estava na grade da cela imediatamente ao lado da solitária, quando vieram buscar o Alexandre e o encontraram morto. Ele morreu lá, sozinho, sem nenhum apoio. Descoberta a morte do Alexandre, em total desrespeito ao morto, encenaram um suicídio, vieram falando nas celas que o Alexandre tinha se suicidado por material cortante, nos jogaram no fundo das celas, revistaram nossos poucos pertences em busca de materiais cortantes e ao não encontrarem nada, entraram na solitária e puxaram o Alexandre pelos pés, com a cabeça e o tronco arrastando pelo chão para dentro do prédio principal do DOI/CODI. Esse é o fato, a montagem da Rua Bresser, apresentada em nosso julgamento na 1 ª JM SP era fantasiosa e montada, era mais uma tentativa de encobrir que eles assassinaram o Alexandre, como consequência das intensas torturas infringidas a ele, e não se sustenta porque a versão dada apontou como horário em que a ocorrência montada se registrou, um momento em que o Alexandre estava vivo na minha frente, e eu e muitos companheiros vimos quando ele foi retirado morto da cela solitária.

Após a retirada do Alexandre da solitária, os carcereiros jogaram vários baldes de água no espaço e lá jogaram o companheiro Adriano Diogo, em mais um ato de extrema crueldade.

Eu estava lá.

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Amaury Monteiro Junior, engenheiro civil, militante ambientalista, presidente Conselho Deliberativo Engenharia pela Democracia, participante da Comissão Facilitadora do Geração 68.

MEMÓRIAS | “Peripécias” – Jean Marc von der Weid

“Es usted suisso o brasileño”? A pergunta me pegou de surpresa. Tinha testado o meu espanhol em várias ocasiões e sempre os meus interlocutores me perguntavam se era chileno ou argentino. Brasileiro? Nunca.


O meu questionador era o general que comandava a empresa de petróleo da Bolívia Yacimentos Petroliferos Fiscales. Na ditadura de outro general, o Banzer, os oficiais do exército ocupavam quase tantos postos do governo, quanto no Brasil de Bolsonaro.

Corria o ano de 1974, mês de março. Estava na segunda etapa de um longo recorrido que começou em Buenos Aires, em fevereiro. Estava a caminho de volta para a França, depois de atravessar o golpe de Pinochet no Chile e uma tentativa de morar na Argentina, que durou uns 4 meses. Trabalhei como jornalista improvisado para uma revista de esquerda em Buenos Aires, ajudado por um amigo da esquerda Montonera, o professor Pepe Num, sociólogo. A direita em ascenso no governo de um Perón sombra de si mesmo, com uma Isabelita querendo ser Evita a seu lado, botou uma bomba na sede da revista, Pepe se mandou para o Canadá e eu fiquei no sal. Resolvi que não daria para ficar quando os militares argentinos, em apoio aos seus aliados brasileiros, sequestrou três companheiros do nosso grupo dos setenta banidos do Brasil e os mandou clandestinamente para morrer em alguma masmorra até hoje não identificada em território nacional.


Os brasileiros e outros refugiados do golpe chileno que estavam na Argentina tiveram o apoio da Agencia para Refugiados das Nações Unidas, ACNUR, que pagou as passagens para a Europa. Como cidadão suíço (tenho dupla nacionalidade e tinha um passaporte deste país), eu não tinha direito ao auxílio. Podia ter usado os recursos do meu partido, Ação Popular, e comprado uma passagem para Paris, mas preferi pagar a minha volta escrevendo artigos para um jornal suíço, onde um grande amigo conseguiu uma carta me credenciando como articulista.

Decidi contornar o Brasil, viajando por terra pela América Latina. Interior da Argentina, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela e México. Daí segui para os Estados Unidos e Canadá, antes de embicar de vez para a Europa. Preparando a viagem, fiz uma série de entrevistas com vários refugiados destes países que tinham ido parar em Buenos Aires, depois do golpe do Chile. Levantei pilhas de contatos em cada país e outros tantos documentos sobre a política, economia e sociedade dos países que pretendia visitar. E parti de trem para Córdoba, primeira etapa da viagem.


Em La Paz, me hospedei em uma pensão que ficava bem em frente ao regimento Tarapacá, peça chave no golpe de Banzer. Encontrei com gente clandestina do MIR, sindicalistas de vários setores, intelectuais. Entrevistei até um dos responsáveis pela segurança do próprio general Banzer. Era um tipo com cara de bandido que morava na mesma pensão e que eu via todos os dias no café da manhã. O dono da pensão era um velho espanhol que tinha escapado da derrota na guerra civil de 36/39 e ido dar com os costados em La Paz. O velho me viu lendo um livro sobre a guerra civil e puxou papo sobre o assunto.

Ficamos amigos e foi ele quem me identificou o segurança do Banzer e me sugeriu entrevistá-lo para a minha revista. Não gostei da ideia porque parecia de alto risco, mas aceitei para não gerar desconfianças. O tipo ficou envaidecido e deu uma longa entrevista, contando o golpe e a repressão contra a esquerda e até me convidou para uma festa no palácio, aniversário da filha do ditador, se bem me lembro. Achei que era tentar a sorte demais e dei um jeito de recusar.


Estava por partir para o Peru, quando li no jornal que o governo boliviano tinha assinado um acordo com o brasileiro para a exploração de gás natural e decidi que era uma matéria interessante. Fui para a sede do YPF na cara de pau e pedi uma entrevista com o presidente. Tudo na Bolívia era meio “familiar”. Todo mundo se conhecia e não havia uma hierarquia pesada como no Brasil. Depois de alguma espera o general me recebeu e logo me dei conta de que tinha dado um passo demasiado arriscado. O tipo tinha uma cara de poucos amigos, recusou a minha mão estendida e me pediu secamente as minhas credenciais. Depois de ler a carta ou a tradução em espanhol que tinha imprimido, partiu para a ofensiva.


“Es usted comunista”? Engoli em seco, fiz uma cara de surpresa e respondi: “comunista? Claro que no. Periodista”.

“Todos los periodistas son comunistas”, afirmou ele.

“No em Suissa”, respondi.

“Ah, si? E em Francia?”. “En Francia hay de todo, pero la mayoria de los periódicos son conservadores”.


O general abriu uma gaveta e sacou um recorte de jornal e me mandou lê-lo. Era um artigo do jornal de direita Aurore, de Paris. O articulista metia o pau na ditadura boliviana, falando de torturas e assassinatos de presos políticos.


“E que le parece? No es comunista”? Respondi que estava surpreso com o tom do artigo porque o jornal era um dos mais conservadores da França. E disse que o meu interesse não era por política, mas por economia e que estava curioso com o acordo com a Petrobras para a exploração do gás.


Foi nesse momento que ele fez a fatídica pergunta que iniciou este artigo.


Apesar de manter uma cara de jogador de pôquer, senti uma gota de suor descer pela minha espinha e pensei: o medo é isto, uma gota de suor escorrendo pelas costas. Por sorte não foi no rosto que ela escorreu.


“Porque brasileño?”.

“Habla usted muy bien el español, pero hay um arrastre de português en tu pronúncia”.

Expliquei que tinha aprendido português antes do espanhol, quando visitei o Brasil anos atras. E perguntei como tinha percebido, já que nunca tinham me vinculado ao Brasil antes.


“Vivi en Rio de Janeiro por um año, estudiando en la Escuela Superior de Guerra y hablo português perfecto”. Rezei para ele não passar a conversa para o português, pois não há nada mais difícil do que falar mal o seu próprio idioma, mas ele seguiu o interrogatório em espanhol.


“Y que le parece Brasil”? Fiz um longo discurso sobre o milagre econômico dos militares, sobre o carnaval e as mulheres brasileiras, enquanto ele me olhava cada vez mais desconfiado.


“Da-me el passaporte”, ordenou secamente. Estou frito, pensei, mas não tinha alternativa. Ele folheou o documento, que tinha múltiplas entradas em muitos países, inclusive nos Estados Unidos.


“Este passaporte ha sido emitido en Chile. Porque”? Expliquei que tinha ido cobrir as eleições de 1970 e a posse de Allende e que tinha perdido o anterior. O passaporte suíço, felizmente, não diz onde você nasceu, no meu caso no Rio de Janeiro, mas a comuna de origem da sua família, no meu caso Fribourg.


Ainda desconfiado o general, verdadeiro cão policial farejando comunistas, perguntou: “escribió usted artículos sobre Brasil?” Quando confirmei ele disparou: “soy muy amigo del adido militar brasileño. Voy llamarlo para perguntar si tiene informaciones sobre usted”.


O outro sintoma do medo apareceu na forma de uma contração do estômago. Mantive a cara de pau e assisti o general discar para a embaixada brasileira. “Está el coronel fulano? Habla el general cicrano”. Para minha sorte o coronel tinha saído para almoçar e só voltaria às 4 da tarde. O general pediu que o chamasse assim que regressasse e desligou.


“Vuelva a las quatro y, si el coronel te abona, concederé la entrevista”. Engoli o suspiro de alívio e me despedi do general.


Saí zonzo da YPF e voei para a minha pensão, recolhi minha malinha e a máquina de escrever e pensei em qual seria a melhor rota de fuga. O coronel certamente ia lembrar de quem eu sou, nem que seja pelo nome diferente. Se pusessem a mão em mim, eu estaria a caminho do Brasil no primeiro vôo e com o destino fatal da “ponta de praia”, ou uma casa da morte onde tantos desapareceram. Buscar o aeroporto me pareceu arriscado, pois seria a primeira providência que tomariam, vigiar os vôos para o exterior. Fui para a rodoviária e tomei um ônibus para Cusco. Lembro do nome da empresa até hoje: Morales y Moralitos. Sete horas depois estava na fronteira com o Peru, em um lugar perdido nas montanhas a 4 mil metros de altitude. Ninguém estava de tocaia à minha espera e passei para o lado peruano só para ficar apreensivo com um cartaz de procura-se, onde a cara de um dos meus entrevistados em Buenos Aires estava retratada, anunciando que se tratava de perigoso terrorista. Era Hugo Blanco, líder da guerrilha do MIR peruano e eu tinha uma carta dele para o irmão em Cusco. Mas passei incólume por uns guardinhas sonolentos e meu ônibus seguiu caminho.

Foi uma viagem desconfortável, mas estava eufórico por ter escapado de um cruel destino, por puro excesso de confiança.

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Jean Marc von der Weid
Ex-presidente da UNE entre 1969 e 1971
Fundador da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA) em 1983
Membro do CONDRAF/MDA entre 2004 e 2016
Militante do movimento Geração 68 Sempre na Luta

MINHA DOCE TROTSKISTA – ALUÍZIO PALMAR

Após o recuo ordenado pela direção do PCB, eu voltei pra Niterói, em meados de 1964. As batidas policiais haviam se amainado e a tarefa era reorganizar as bases. O golpe militar havia desbaratado os comitês municipais e de fábricas. As exceções eram as bases nas faculdades e nos colégios.


Naqueles meses de juntar cacos e organizar, eu estreitei meus contatos com os trotskistas do PORT – Partido Operário Revolucionário dos Trabalhadores. Eles tinham um jornal chamado Tribuna Operária e seguiam as teorias de J. Posadas, codinome do argentino Homero Cristalli Frasnelli.


Em Niterói, resumiam-se a um grupo pequeno, com uma base no Estaleiro da Costeira. Eu me encontrava com o pessoal do PORT na Praça da Igreja de São Lourenço ou sob as marquises da Avenida Amaral Peixoto. Meu contato mais freqüente era com Helena, uma loira de cabelos encaracolados e olhos claros. Helena morava nas proximidades da estação rodoviária de Niterói e seu pai era coronel da reserva. “Um profissional com idéias nacionalistas e democráticas”, dizia ela.


Num de nossos encontros, quando a gente fazia planos de fazer uma panfletagem nos estaleiros navais, eu avancei o sinal, dei uma rasteira na timidez, tomei coragem, e me declarei para aquela militante que defendia com ardor a classe operária e pregava a revolução mundial. Ela estava encostada em uma das imensas colunas que sustentam a marquise do antigo Banco Predial, e então, com as pernas bambas, confesso, dei um passo à frente e aproximei meu corpo do corpo dela. “Não”, disse minha doce trotskista, enquanto me afastava tocando o indicador no meu peito.


Ainda, com o dedo em riste, afastando meu corpo, Helena, me encarou e disse em tom professoral, “camarada, nessa etapa da luta, todas nossas energias devem estar voltadas para o combate à burguesia e não devemos desperdiçá-las com este negócio de namorico”
Esta foi a última vez em que me encontrei com Helena. Nunca mais a vi ou tive notícias dela. Os anos seguintes foram intensos, tensos e de abnegação.

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Aluízio Palmar é jornalista, e fundador do CDHMP de Foz do Iguaçu. Em 1969, foi preso e em 1971, banido do País, após ser trocado juntamente com outros presos políticos, pelo embaixador da Suiça. É autor do livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?” e em 2020, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, concedida por entidades de direitos humanos e movimentos sociais. É editor do portal DocumentosRevelados.com.br

DIA INTERNACIONAL DA MULHER: DESPERTAR DE UMA CONSCIÊNCIA DE LUTAS 50 ANOS ATRÁS – AMAURY MONTEIRO

Transcorria o final do mês de março de 1973, no DEOPS-SP, após passagem violenta pelo DOI-CODI SP, quando grande movimentação ocorreu nos corredores do cárcere, quebrando aquela pasmaceira e sensação de profundo abandono, onde os dias e as noites se confundiam com um eterno esperar a que eram submetidos os presos políticos no aguardo do seu destino: ou de voltar ao DOI CODI e recomeçar o ciclo de torturas ou de ser encaminhado ao delegado de plantão para a formalização do inquérito policial para julgamento por crimes contra a Segurança Nacional pela Justiça Militar.


Naquele dia, a valorosa companheira Amelinha Teles havia escrito num papel “Viva o dia Internacional da Mulher” ou algo semelhante, num momento em que não havia essa data instituída e comemorada, muito menos com flores… Faço aqui um hiato explicativo: flores, para mim constitui-se um grande desrespeito às mulheres e às suas lutas e conquistas, já que nós, os homens usamos esse ato como reafirmação de nosso poder machista. Mas isso não vem ao caso.


Fato é que os agentes da Ditadura Militar leram o cartaz e o interpretaram corretamente, era um chamado às companheiras de cela para se unirem na luta, para se enfileirarem, não se desesperarem, para cerrarem fileiras… e lá se foi a companheira Amelinha para responder a mais uma acusação de crime contra a Lei de Segurança Nacional, afinal ousou defender o Dia Internacional da Mulher, que apesar de ainda não estar instituído, representava enorme perigo para a Ditadura Militar e para todos aqueles que sempre sonharam e foram educados a achar natural que as mulheres fossem submetidas aos caprichos machistas da sociedade.


De lá para cá, faço sempre questão de lembrar que graças a essa valorosa companheira e a muitas outras o movimento das mulheres avançou muito, não tanto quanto era necessário, mas avançou e há de avançar muito mais porque esse é, e sempre será, um dia de muita luta que lembra as conquistas havidas, as lutas contra os retrocessos recentes, onde menino usava azul e menina rosa, e prepara para as lutas futuras que nossas próximas gerações haverão de travar.


Viva o Dia Internacional da Mulher, um dia de luta!

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Amaury Monteiro Junior, engenheiro civil, militante ambientalista, presidente Conselho Deliberativo Engenharia pela Democracia, participante da Comissão Facilitadora do Geração 68.

A NOITE EM QUE O CONDOR POUSOU EM FOZ DO IGUAÇU – ALUÍZIO PALMAR

O medo tomou conta de Foz do Iguaçu na madrugada do dia 1º para o dia 2 de dezembro de 1974, quando quatro empresários desapareceram de repente.

Para Mongelos, Cabral, Aníbal e Stumpfs, aquele primeiro domingo de dezembro, parecia ser igual aos outros tantos domingos vividos em Foz do Iguaçu. O dia transcorrido não havia sido diferente dos demais – churrasco, siesta, tererë e Grenal.

À noite, Cesar Cabral foi dormir após ver o Fantástico; Anibal Abatte Soley, como de hábito jantou e se recolheu ao quarto; Rodofo Mongelos retornou da casa de sua namorada e Alexandre Stumpfs foi com a esposa ao cinema.

De repente, o que parecia ser mais uma noite tranqüila, o começo de madrugada é tumultuado por uma manobra militar de grande envergadura, com muitos recursos humanos e materiais.


Em pouco tempo os quatro cidadãos foram seqüestrados em vários pontos da cidade e no mesmo momento. Tudo aconteceu em trinta minutos, numa operação executada pelo Centro de Informações do Exército, envolvendo cerca de 20 homens fortemente armados e seis veículos de modelos diferentes

Dos quatro, três eram refugiados políticos no Brasil desde 1959, e saíram do Paraguai fugindo da ditadura do general Alfredo Stroessner.


Anibal e Stumpfs, empresários no ramo de exportação e Rodolfo Mongelos, dono de padaria no centro da cidade. O único com uma história diferente era Cesar Cabral, empregado na exportadora de Stumpfs. Argentino de nascimento e filho de paraguaios, Cesar deixou a faculdade em 1966 e veio para o Brasil por força das perseguições da ditadura do general Ongania. Em 1968, entrou no MR 8 e um ano depois foi preso no Rio de Janeiro, onde cumpriu pena no Presídio da Ilha Grande. Em 1971, saiu em liberdade condicional por ter cumprido metade da pena.

Cabral estava deitado quando bateram à porta; levantou para atender, dois homens entraram e disseram secamente para acompanhá-los. Sua esposa, Adelaide, com o filho Fabian, de dois anos no colo e Fabio, de seis anos, agarrado em sua saia, arregalou os olhos enquanto seu marido era raptado.

Na casa dos Abbate Soley não aconteceu diferente. A família estava dormindo quando foi acordada por uma buzina estridente de um carro que entrou na garagem. Aníbal pulou da cama, abriu a porta e três homens fortemente armados entraram na sala. Diante da esposa Cristina e das filhas Maria Letizia, na época com oito anos e das gêmeas de quatro anos Maria Rossana e Maria Grissel, os invasores arrancaram o fio do telefone e levaram Anibal.

Com Rodolfo Mongelos e Alejandro Stumpfs Mendoza, o rapto aconteceu nos mesmos moldes.
Rodolfo voltava da casa da namorada quando foi arrancado de dentro de seu veículo Opala e jogado violentamente dentro de uma Veraneio, que arrancou em alta velocidade. Algumas pessoas que estavam em frente ao seu estabelecimento comercial – a Padaria Progresso, assistiram a cena e nada puderam fazer devido a rapidez do seqüestro.
Quanto a Stmpfs, ele voltava do cinema com sua esposa Antonina Velasquez, quando seu carro foi abalroado por uma Veraneio e dela saíram três indivíduos que agarraram o empresário e dispararam em direção à BR 277, estrada que leva Foz do Iguaçu a Curitiba.

Os quatro carros, acompanhados por outros tantos, seguiram pela estrada e só pararam nas proximidades de Céu Azul, para que os raptores interrogassem suas vitimas dentro do Parque Nacional do Iguaçu.

O rapto dos três paraguaios e do argentino, exilados em Foz do Iguaçu, foi uma operação militar com largo tempo de preparação, muitos recursos humanos e materiais e deve ter exigido um grande esforço de coordenação. Foi extremamente sigilosa e executada por um grupo especial comandado por altos oficiais do Exército , que se deslocaram de Brasília, para raptar os exilados e levá-los para um centro clandestino de tortura, utilizado pelo Exército, no interior de Goiás.

Tomados pelo medo, aos raptados restou a submissão aos seus sequestradores. Estavam em condições adversas, sem saber a razão daquele ato de violência. Sabiam que por trás, manipulando a tropa, puxando os fios do comando, havia poderes e interesses maiores.

Vieram a conhecer esses poderes e interesses quando foram interrogados por oficiais do Exercito, de altas patentes.
Descobriram que eram vítimas de uma parceria entre as ditaduras do Brasil e do Paraguai. Que foram raptados no meio da noite, em seus lares e em frente de suas esposas e filhos, em nome das boas relações entre os dois regimes ditatoriais e do bom andamento das obras e do acordo para a construção da Usina de Itaipu. Eram vítimas da binacional da repressão e do terror.

O rapto dos exilados em Foz do Iguaçu foi um ensaio do que viria a ser a Operação Condor, criada oficialmente um anos depois, pelas ditaduras do Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai, com o objetivo de coordenar a repressão a opositores e eliminar seus líderes.

Passado o susto, os familiares dos empresários seqüestrados, bateram à porta do então 1º Batalhão de Fronteiras e apresentaram denúncia na Delegacia da Polícia Federal. Os órgãos policiais estavam perdidos, sem rumo. A falta de informação era geral.
Amigos de Anibal Abatte Soley, e entraram em contato com pessoas influentes. Todos sabiam o que acontecia no Brasil e no Paraguai, onde presos eram torturados e desapareciam. Foram dias de muita apreensão. Os pedidos de informações não eram respondidos. A reposta era o silêncio.

Finalmente foram soltos, graças a forte pressão internacional. O papa Paulo 6º e o presidente venezuelano Carlos Andrés Perez, entre outros, condenaram o governo brasileiro pelas prisões. Anibal, Mongelos e Stumpfs foram soltos no dia 23 de dezembro. Cabral foi libertado uns dias antes.


A condição para a libertação dos sequestrados, foi a de que Anibal, Cabral, Mongelos e Stumpf, morassem longe da fronteira e não voltassem a Foz do Iguaçu num prazo de dois anos.

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Aluízio Palmar é jornalista, e fundador do CDHMP de Foz do Iguaçu. Em 1969, foi preso e em 1971, banido do País, após ser trocado juntamente com outros presos políticos, pelo embaixador da Suiça. É autor do livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?” e em 2020, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, concedida por entidades de direitos humanos e movimentos sociais. É editor do portal DocumentosRevelados.com.br