1964 + 60: A DITADURA PRESENTE.

Cláudia Arruda Campos

A ditadura iniciada com o golpe de 1964 teve o apoio e mesmo a conspiração de civis representantes das classes poderosas do país, mas se configurou como golpe e ditadura militar.

A questão militar tem sido um problema na história do Brasil, e não só a partir da Proclamação da República, que levou à Presidência 2 militares em seguida, sendo o segundo governo (Floriano Peixoto) particularmente farto de autoritarismo e derramamento de sangue.

A formação militar no Brasil desconhece valores civis e democráticos. Não à toa qualquer incitação interna e/ou externa leva os quarteis a se verem no direito de se apossar do poder e determinar, debaixo de tacão, os rumos do país.

Isso não mudará enquanto não se mude a formação dada aos militares e enquanto não houver determinações de limites que estabeleçam com clareza o papel que lhes cabe.

A ditadura acabou depois de 21 longos anos e dela militares e seus ratos de porão saíram ilesos sem que sequer se esboçasse um inventário dos crimes cometidos.

Por ora, tudo como dantes no quartel de Abrantes. Nem tudo. As próprias Forças Armadas, em sua ânsia de poder, vêm se desgastando, e chegam à beira do ridículo ao apoiar o governo de um ex capitão caricato e compor sua linha de frente.

Mesmo depois de o ex capitão ter perdido as eleições, um rito básico da democracia, prestaram-se a asilar acampamentos antidemocráticos e a deixar caminho livre para a turba que invadiu a Praça do Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Melhor teria sido para a própria saúde da corporação que se tivesse colhido fotos e digitais dos criminosos, submetê-los ao devido julgamento, deixando aos demais a oportunidade de se reestruturarem em novos moldes.

Ainda que não restasse – mas resta – um remanescente do tempo da ditadura, a formação/ corporação responsável por ela segue de pé. A ditadura ainda está presente e cumpre curar esse foco viral que por vezes explode em furúnculo.

Este ano marcam-se 60 anos do golpe de 1964.

Neste ano não relembramos algo que ficou no passado. A ditadura se reatualiza nos fatos que, desde 2016, têm subvertido a ordem democrática no Brasil.

A ditadura segue presente em todos que a vivemos e sabemos bem onde essa disposição antidemocrática pode chegar.

A ditadura segue presente até nos ausentes, nos mortos sob tortura e desaparecidos.

Juiz de Fora, 1964.

De lá veio, rumo ao Rio de Janeiro, a primeira sombra que nos precipitou nos 21 anos de ditadura militar-empresarial.

Muitos dos que ainda hoje lutam por uma democracia plena no país eram, então, pouco mais que crianças, mas não se esquecem. Não nos esquecemos. E nem é possível esquecer uma vez que as forças retrógradas responsáveis por aquela longa noite continuam atuantes no Brasil.

Particularmente o estamento militar continua sendo formado sob os mesmos princípios autoritários que, por toda a história da República, só vêm sendo alimentados de sanha por tomar conta dos rumos políticos da nação.

Quem, mesmo criança, viveu 1964, viveu também os anos seguintes, de censura, prisões e tortura, do assassinato brutal de muitos que ousaram confrontar o regime.

Em anos bem recentes, um ontem para a História, vimos militares ocupando diversos postos no desgoverno do ex capitão inominável e participando de reuniões visando ataque à ordem democrática. Vimos quarteis dando cobertura a acampamentos de perturbadores da democracia, os quais terminaram, sob os olhos benfazejos do Exército, por invadir e dilapidar prédios símbolo da democracia no país.

Não nos esquecemos.

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Neste 1º de abril que marca os 65 anos do golpe de 1964, a data lamentável será lembrada com várias ações, uma delas a Marcha Reversa do Rio de Janeiro para Juiz de Fora.

Em Juiz de Fora ocorrerá um importante ato público com a presença de familiares de ex presidente João Goulart, deposto pelo golpe de 64.

Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.

Caminhamos

Caminhamos em silêncio por aqueles que foram silenciados.

Por aqueles assassinados de forma brutal, a maioria em decorrência de bárbaras torturas.

Por aqueles duplamente silenciados, os desaparecidos, que sequer puderam mostrar seus corpos como testemunhas do horror sofrido.

Caminhamos pelas famílias dos desaparecidos, que não puderam ter o mísero conforto de prestar aos entes queridos a homenagem dos ritos fúnebres.

Caminhamos pelos que sobreviveram trazendo em si o trauma da violência, principalmente pelas crianças atingidas pela ditadura. Por aquele menino torturado quando tinha apenas 1 ano de idade e que, jovem, acabou por suicidar-se: um não suicida, mas vítima de uma tortura que durou anos.

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4ª Caminhada do Silêncio

Data: 31/03/2024

Horário: 16h (início da caminhada às 18h)

Local da concentração: Antigo DOI-Codi (Rua Tutóia, 921, Vila Mariana)

Destino final da caminhada: Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos

Políticos (próximo ao Portão 10 do Parque Ibirapuera – Av. Pedro Álvares Cabral, s/n, Vila Mariana)

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Caminhamos pela Democracia sequestrada pelo golpe de  1º de abril de 1964.

Por todas as pessoas e entidades que, sob a ditadura, foram caladas pela censura.

Seguimos caminhando para que nunca se esqueça. Para que nunca mais aconteça.

Pela reinstalação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Claudia Arruda Campos, anistiada política, Professora Doutora aposentada do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada – FFLCH – USP

1 de Abril de 1964 – Uma data para não ser esquecida

Amaury Pinto de Castro Monteiro Junior – março de 2024

Por uma coincidência histórica eu e minha família sabíamos o que estava sendo preparado e aconteceria no Brasil naquele ano de 1964, o golpe militar, que jogaria a todos nós numa profunda escuridão por longos 21 anos. Não estávamos preparados e nem tínhamos consciência de que era preciso resistir (Vide capítulo no livro “60 anos do Golpe – Gerações em Luta”, idealizado e coordenado pelo companheiro Francisco Celso Calmon que será lançado no próximo dia 01 de abril de 2024 e do qual eu sou um dos seus 66 articulistas.)

As consequências daquele golpe Civil-Militar logo se fizeram sentir quando pesquisadores, professores e alunos das nossas Universidades, parlamentares, jornalistas, patriotas… foram perseguidos, cassados, presos, torturados,… e para dar continuidade ao desenvolvimento de suas pesquisas, seus trabalhos acadêmicos ou de sobrevivência e a manutenção da integridade física própria e de suas famílias tiveram que sair às pressas do país ou cair na clandestinidade e, do dia para a noite viveram as grandes dificuldades de reiniciar suas vidas no exílio ou nas difíceis condições da clandestinidade

Nomes extremamente importantes, que ajudavam a formar novas gerações, das ciências, das artes, da literatura, do conhecimento humano, da organização dos trabalhadores, da política… foram alijados do nosso convívio já nesse primeiro momento.

Mais tarde, um pouco, institucionalizou-se os sequestros, as torturas, os apagamentos sumários e a eliminação de pessoas sem que rastros fossem deixados de sua existência a não ser entre seus familiares, companheiros, companheiras e em suas obras cantadas em conto e verso através das gerações.

A longa noite do terror; do ódio à inteligência; das perseguições continuadas; da negação ao direito de sonhar e lutar pelo desenvolvimento humano e da civilização foi um período negro de nossa história e muitos patriotas foram calados à bala e na “porrada” nos subterrâneos do regime vigente.

Nesse período, agentes da Ditadura assassinaram muitos jovens idealistas que ousavam sonhar com um Brasil mais justo e igualitário, ou até mesmo que ousavam levantar a voz para reivindicar direitos básicos do povo brasileiro e, ficaram impunes.

Essa longa escuridão levou muitas famílias a chorarem por seus parentes mortos e desaparecidos durante todo esse período, o Estado brasileiro deve a elas uma resposta definitiva e o direito a que possam ter o direito de encerrar esse período de incertezas e luto.

Para isso é urgente reinstalar a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, dar a ela os meios e a garantia de que poderá exercer seu trabalho de forma firme e com a garantia de acesso a todos os registros importantes que permitam a elucidação definitiva das atrocidades cometidas no período e que se iníciem os processo-crimes com a aplicação da Justiça contra todos os torturadores, e agentes que atuavam na época e que praticaram crimes contra os direitos básicos do ser humano que perduram até hoje, 60 anos após terem sido cometidos.

Mas só isso não basta, apesar de já ser um enorme avanço. Temos que tratar de forma firme e decidida a questão FORÇAS ARMADAS brasileiras, onde ainda se ensinam “antigas lições” em seus cursos de formação, exaltam os comportamentos de violadores de Direitos Humanos, praticam diuturnamente em suas entranhas conspirações, planejam golpes contra o Estado Democrático de Direito e tiram proveito das lições, provenientes da impunidade passada, aprendidas nos anos de Chumbo e continuam a tutelar o Estado brasileiro, comportando-se como se fossem o quarto poder da República.

Nós também somos os responsáveis pela perpetuação disso e até pelo retorno no período 2019 a 2022 dessa turma ao poder central da República, período em que Universidades, povos originários, Meio Ambiente, Educação Básica, Cultura, Ciências … voltaram a ser agredidas diuturnamente e deixaram além de toda a destruição do Estado brasileiro, dos direitos de trabalhadores, da cultura do ódio, …, um saldo macabro de 700.000 brasileiros mortos de forma proposital e direcionada.

A repetição do período anterior nesse novo momento, por si só deveria servir de alerta para que o novo governo eleito a duras penas, comprometido com a Democracia Política trabalhasse para reverter todo esse processo e não se acovardasse diante dos desafios impostos e das feridas abertas nesses 60 anos, afinal enquanto não se der o tratamento adequado através de uma verdadeira Justiça de Transição com abrangência dos dois períodos de 1964 a 1985 e de 2019 ao início de 2023, esse país não respirará os ares da Democracia Política, da Democracia Social e da Democracia Econômica, já que estará conduzindo o nosso desenvolvimento de forma medrosa e sem coragem para enfrentar o “quarto poder” da República e até valida-lo na prática.

Esse deve ser um recado ao nosso companheiro Presidente: passar pano sobre esse longo período ou só tratar do passado recente esquecendo-se do passado não resolvido o colocara sempre sob o fio da navalha golpista manipulada por Forças Armadas e por esse Congresso retrógrado e atrasado.

Até quando? Lembre-se, principalmente você companheiro presidente Lula, nós não somos da mesma “turma” dele, estamos de passagem e se não enfrentarmos as questões do modo como devem ser tratadas, o povo brasileiro será vítima desse “descaso justificado” de agora em curtíssimo prazo.

Apesar do mundo estar mais competitivo e agressivo, deixar de tratar questões relacionadas ao desenvolvimento de nossa gente, ao incentivo do desenvolvimento das tecnologias, do aprofundamento das questões humanas, ao posicionamento correto de nosso país no rol das nações desenvolvidas, conformando-se com o papel de produtores de commodities e consumidores de produtos industrializados por terceiros não nos levará a lugar algum e não deveria estar na nossa agenda, o resultado palpável, já sentido nos últimos anos, é o de aumentar a fome e a miséria para a nossa gente.

Não há como deixar de fazer um paralelo sobre os acontecimentos de ontem (1964-1985) e os de quase agora (2019-2022). Devemos pensar para a frente e para isso temos que resolver as questões do passado que insistem em nos assombrar e que estão interligadas ao nosso futuro.

Para construir um novo Brasil mais justo e igualitário é importante resolver esse passado, enfrentá-lo de frente para que nunca mais volte a nos assombrar e impedir o planejamento do nosso futuro.

A luta continua!

Ditadura e Tortura Nunca Mais!

Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos, reinstalação ja!

Por um país desenvolvido, igualitário e justo, com muita democracia!

Amaury Pinto de Castro Monteiro Junior

Engenheiro Civil, Professor, Presidente do Conselho Deliberativo do movimento Engenharia pela Democracia, um dos Coordenadores do movimento Geração 68 Sempre na Luta e participante do Conselho Editorial do programa Engenharia & Desenvolvimento no canal youtube Arte Agora.