Alvíssaras à justiça de transição.

Francisco Celso Calmon

A retomada da Comissão Especial de Mortos e Desparecidos Políticos é mais um passo para a implementação da justiça de transição, embora com comprometedor atraso. Para minimizar um pouco é necessário compor a Comissão com quem acalenta experiência e memória do trabalhado realizado, portanto, Eugênia Gonzaga deve ser convidada para coordenar os trabalhados.

Não é suficiente recriar e a compor com quadros competentes e comprometidos com a pauta memória, verdade, justiça e reformas, é necessário dotá-la dos recursos materiais necessários ao desempenho do seu mister.

A escassez de recursos da Comissão de Anistia é alerta para o retorno da CEMDP.

Os desparecidos e mortos já se levantaram algumas vezes através de seus familiares e não foram atendidos em seus pleitos: saber onde foram enterrados, resgaste dos seus restos mortais, tempo para curtir o luto com todas as honras e reverências aos heróis da democracia, a criminalização dos agentes responsáveis pelos crimes de tortura, homicídio e ocultação de cadáver, e reparação moral e pecuniário aos familiares. 

Para além e não singular aos familiares e sim para toda a sociedade e para o Estado democrático de direito, reformas que impeçam a repetição de barbáries como as ocorridas durante a ditadura militar.

Não se resolve somente com programas de formação de direitos humanos para os militares e policiais, a punição é imprescindível para quebrar a cadeia histórica da impunidade e, sobretudo, por obediência constitucional, proibir as forças armadas de participarem ou mesmo se imiscuírem na política.

Para tanto, consoante ao Manifesto Pela Justiça de Transição da  Rede Brasil – Memória Verdade, Justiça, subscrito por 22 entidades, neste espaço em 07 de dezembro de 2022  (https://jornalggn.com.br/direitos-humanos/entidades-lancam-manifesto-pela-justica-de-transicao)*, ratificamos a proposta de criação de uma Comissão Estatal Permanente de Memória e Reparação (CEPMR). 

O alcance da memória e reparação a que essa Comissão estará encarregada deverá abranger os períodos traumáticos da história do Brasil – a escravidão dos indígenas e dos negros, as ditaduras do Estado Novo e a militar de 21 anos, e os mais recentes, o genocídio bolsonarista e a intentona da extrema direita de 8 de janeiro de 2023.

A composição sugerida da CEPMR é de no mínimo 8 (oito) membros, com mandato de cinco anos, renováveis.  Representante do Executivo (Ministério dos Direitos Humanos), do Legislativo (Comissão de DH da Câmara), do MPF (idem), da Defensoria Pública Federal (idem) e da sociedade civil (movimentos dos indígenas, dos negros, dos anistiados, e dos filhos e netos dos ex-prisioneiros das ditaduras). 

As lembranças periódicas não são somente uma homenagem às suas vítimas, mas, sobretudo, para a humanidade não esquecer do que em seu nome já foram capazes de fazer e impedir a repetição. 

Uma nação sem memória, é uma nação com o DNA da impunidade e à deriva.

A conjuntura atual, de ampla conciliação governamental, não deve ser, porém, a ditadura da amnésia do passado.

A Justiça de Transição é a ponte segura para a construção de uma democracia sustentável.

Só teme o passado quem tem contas a ajustar com a justiça.

Quando se acredita numa ideia, num ideal, não se luta somente numa conjuntura, mas por toda a vida.

* https://www.holofotenoticias.com.br/?post_type=post&s=entidades+de+direitos+humanos+querem+que+governo+instale+comiss%C3%A3o+permanente+

Francisco Celso Calmon

Ex-coordenador nacional da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça; membro da Coordenação do Fórum Direito à Memória, Verdade e Justiça do Espírito Santo. Foi líder estudantil no ES e Rio de Janeiro. Participou da resistência armada à ditadura militar, sendo sequestrado e torturado. Formado em análise de sistemas, advocacia e administração de empresas. Foi gestor de empresas pública, privada e estatal. Membro da Frente Brasil Popular. Autor dos livros “Sequestro moral e o PT com isso?” e “Combates pela Democracia”, coautor dos Livros “Resistência ao Golpe de 2016” e “Uma sentença anunciada – O Processo Lula”. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Articulista de jornais e livros, coordenador do canal Pororoca.

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